Como se estivesse em casa

Como se estivesse em casa (Olyan, mint othon, Hungria, 1978), de Márta Mészáros.

András (Jean Nowicki) retorna a Budapeste de uma longa temporada nos Estados Unidos e se depara com sua vida desestruturada: Anna (Anna Karina), sua ex-esposa, está casada e tem um filho, perdeu seu emprego de professor na Universidade, não tem dinheiro para se sustentar. András vai passar uma temporada com os pais no interior e começa um relacionamento conturbado com Zsuzsi (Zsuzsa Czinkóczi), uma criança rebelde que vive em uma família pobre, com seis irmãos. 

Márta Mészáros aborda, como grande tema, o deslocamento social, a falta de raízes.  András tenta se impor em seu país após voltar da América e apresenta um comportamento rebelde, por vezes infantil, outras vezes grosseiro com as pessoas. Sua relação com Zsuzsi, tentado ser um pai adotivo,  coloca na mesma sintonia duas pessoas que não se enquadram nos aparatos sociais e buscam, por meio do afeto, encontrar um caminho, cada um à sua maneira. 

Nove meses

Nove meses (Kilenc hónap, Hungria, 1976), de Márta Mészáros.

Se você ainda não conhece o cinema da húngara Márta Mészáros, comece por Nove meses e se prepare para uma das sequências finais mais impressionantes do contestador cinema dos anos 70. Juli (Lili Monori) trabalha em uma fábrica no norte da Hungria. Ela cursa ciências agrárias, tem um filho de seu amante anterior, um professor universitário casado, com quem mantém um ótimo relacionamento. 

János (Jan Nowicki), seu supervisor na fábrica, assedia Juli e os dois começam um relacionamento conturbado. O conflito se instaura: Juli tem uma personalidade libertária, não teme assumir sua posição de mãe de um amante casado, luta para se emancipar através dos estudos, enquanto János se mostra cada vez mais possessivo, ciumento e apegado às ideias e atitudes machistas – ele exige, por exemplo, que Juli abandone seu filho e pare de trabalhar. 

O filme caminha neste compasso libertador, com o forte olhar feminista de Márta Mészáros até a sequência final, arrebatadora, quando a atriz Lili Monori rompe as barreiras entre ficção e realidade de forma linda, corajosa e ousada.  

Laços

Laços (Holdudvar, Hungria, 1969), de Márta Mészáros. Com Mari Torocsik (Edit), Kati Kovács (Kati), Lajos Balázsovits (Istiván). 

O patriarcado e a masculinidade tóxica são o grande tema do filme de Márta Mészáros, cineasta hungara famosa por seu olhar feminista em um país dominado pelos homens do partido, assim como em grande parte dos países do leste europeu. Edit acaba de ficar viúva, seu promissor marido político morre repentinamente. Ela se vê bajulada pelos membros do partido, mas sabe da hipocrisia: seu marido não era bem visto neste meio.

Esses laços familiares tornam-se cada vez mais opressores, a frustração de Edit com seu casamento se repete na maternidade madura. A grande virada do filme acontece com a personagem Kati. Enquanto Edit segue tentando se libertar, o final da narrativa apresenta uma Kati que se rebela, se recusando a seguir o destino da sogra.  A sequência final é simbólica: a jovem caminha resoluta enquanto é assediada por um grupo de jovens. 

O filho de Saul

Saul Ausländer está preso em um campo de concentração da Alemanha nazista. Como outros judeus, ele exerce a função de sonderkommando, responsável por ajudar os nazistas dentro das câmaras de gás. O ponto de vista escolhido pelo diretor é o grande mérito do filme. O espectador sente passo a passo o processo de execução, acompanhando o trabalho e o olhar de Saul dentro da câmara de gás. Saul e os outros sonderkommandos guiam os judeus na entrada, ajudam-nos a se despirem, os encaminham para o interior da câmara de gás. Depois, levam os corpos para o crematório.

Faltava uma película como O filho de Saul para jogar o espectador dentro do sofrimento inimaginável dos campos de concentração. Cada sequência é feita sem cortes, a câmera registra o olhar e o trabalho de Saul, como se cada um de nós participasse e ajudasse no processo de tentativa de extermínio dos judeus.

Em uma das externas, a câmera centrada em Saul, durante a noite, deixa o espectador vislumbrar nazistas executando a tiros os judeus e jogando os corpos na vala. A tensão, durante todo o filme, é estarrecedora. Obra-prima contemporânea, O filho de Saul revela a capacidade expressiva dos recursos de linguagem do cinema.

O filho de Saul (Saul Fia, Hungria, 2015), de László Nemes. Com Géza Rohrig (Saul Auslander),  Sándor Zsótér (Dr. Miklos), Levente Molnár (Abraham).