
Em frente à casa de Humphrey Bogart, uma multidão consternada faz vigília, à espera do cortejo fúnebre do ator. Famosos atores e atrizes de Hollywood, diretores, produtores, também estão ali. Corta para cenas de filmes de Bogart, com narração em off: “É engraçado, nunca me considerei muito querido. Eu não sabia quantos amigos tinha. Não se pode trapacear para subir na vida. Tem que ser você mesmo.”
Bogart: life comes in flashes (EUA, 2024), de Kathryn Ferguson, segue a estrutura convencional de documentário sobre grandes astros do cinema: cenas e mais cenas de filmes, imagens do ator, depoimentos de amigos, especialistas e profissionais do cinema, lembranças marcantes da quarta esposa, Lauren Bacall, gravações do próprio ator para programas de rádio e de televisão. Os depoimentos de Bogart revelam um profissional que não se escondeu atrás do sucesso, que buscava a autocrítica e não se entregava ao fracasso que o perseguiu durante anos em sua carreira de ator.
“A depressão chegou e eu não fugi. O teatro tinha ido para o inferno e meu salário também. Ensaiei para espetáculos que foram cancelados antes que começassem. Eu fui para Hollywood. A MGM havia conseguido uma mina de ouro com Clark Gable. A Fox precisava reagir a Gable. Esse era eu. Não era bonito, mas me criaram como faziam com os bonitões há anos. Cílios postiços, batom e tal. Eu me sentia um boneco. Fiquei na Fox por um ano e fiz cinco filmes. Não foi surpresa não terem renovado meu contrato. Foi quando fiz as malas e fui à Broadway de novo. Na época, eu estava convencido de que nunca teria sucesso no cinema.”
Na Broadway ele atuou em sete peças consecutivas de sucesso, mas em nenhuma tinha um papel importante. A Warner Bros comprou os direitos para adaptar A floresta petrificada, uma dessas peças, e Bogart acabou conseguindo o papel do assassino na história. “Acho que se eu não tivesse recebido o papel de Duke Mantee, eu estaria fora do cinema. Isso marcou a minha libertação dos engravatados elegantes e impecáveis, aos quais eu parecia estar condenado,”
Entre 1936 e 1937, Humphrey Bogart fez vários filmes para a Warner. O ator era praticamente obrigado a aceitar os papéis impostos pelos produtores, sob o comando de Jack Warner. Caso recusasse, recebia intimações e ameaças dos advogados da empresa. Era o sistema de estúdios de Hollywood.
“Fiz pesos pesados em Hollywood por oito ou nove anos. Fui o alvo de Cagney, Raft, Robinson, de todo mundo. Os gângsteres que interpretei são todos iguais. Quase dá pra fazer um índice das falas deles. Nos meus primeiros 34 filmes, fui baleado em 12, eletrocutado ou enforcado em oito e preso em nove. Sempre acabava morto e nunca ficava com a garota.”
Entre esses filmes, estava A volta do Dr. X (1939), no qual Bogart interpreta um médico trazido de volta à vida que se alimentava de sangue. “Se tivesse sido o sangue de Jack Warner, não me importaria. O problema é que estavam bebendo o meu e eu estava fazendo esse filme horrível. Você percebe que está olhando para um ator que fez mais filmes ruins do que qualquer outro na história?.”
A virada na carreira, depois de cerca de vinte anos de fracassos e um ou outro sucesso, aconteceu devido a amizade de Bogart com um roteirista da Warner. John Huston já havia escrito um filme interpretado pelo ator, Seu último refúgio (1941). Em sua estreia como diretor, Huston levou o detetive Sam Spade, sucesso da literatura pulp-fiction, para o cinema. “A intenção era que George Raft o interpretasse. Mas ele recusou, pois não queria confiar a sua carreira a um diretor jovem. A alguém que nunca tinha dirigido. E Bogart, para meu deleite secreto, foi o substituto. Esse filme deu início a uma carreira nova para Bogie.” – John Huston
O falcão maltês (1941) foi o primeiro filme de detetive particular e um dos filmes marcantes do início de um dos estilos de cinema mais consagrados de Hollywood: o cinema noir. No entanto, Bogart precisou de mais um papel para se tornar um dos maiores e mais queridos astros de todos os tempos: Rick Blaine, dono de um bar no Marrocos durante a Segunda Grande Guerra.
“Casablanca consagra Bogart como astro. Ele recebe a validação que todo verdadeiro astros de destaque precisa ter, que é o protagonismo romântico. As pessoas tinham dúvida se ele conseguiria fazer a transição ao protagonista romântico sonhador.” – Thomas Doherty
Nenhum espectador ou crítico teve dúvidas disso ao ver o filme. Depois de Casablanca (1942), Bogart protagonizou uma série de clássicos: Ter ou não ter (1944), À beira do abismo (1946), O tesouro de Sierra Madre (1948), No silêncio da noite (1950), Uma aventura na África (1951), A condessa descalça (1954), Sabrina (1954).
Humphrey Bogart tinha 43 anos quando protagonizou Casablanca e 52 anos quando conquistou o Oscar de Melhor Ator pelo filme Uma aventura na África. Poderia ser protagonista também da célebre campanha O homem de 40 anos, criada por Washington Olivetto em 1974 – primeira peça publicitária brasileira a ganhar o Leão de Ouro em Cannes. O filme, que combate o etarismo, mostra imagens, acompanhadas por um texto poderoso, de personalidades históricas de várias áreas que fizeram sucesso depois dos 40 anos.