Quatro casamentos e um funeral

Quatro casamentos e um funeral (Four weddings and a funeral, EUA, 1994), de Mike Newell, é das comédias-românticas mais admiradas pelo público e pela crítica. O filme mantém a estrutura básica do gênero: encontros e desencontros com humor, romance, sexo e música contagiante até o happy-end.

Heitor Capuzzo aponta,  no livro Lágrimas de luz – o drama romântico no cinema, essas características comuns em determinado gênero cinematográfico.

“O drama romântico utiliza, reiteradamente, a narrativa em dois grandes blocos dramáticos. O que separa ambos os blocos é uma espécie de ‘lua-de-mel’, ou seja, ‘a consumação do amor’. O início é marcado pelo encontro, a rápida formação do par, os subterfúgios para driblar as pressões externas, a definição de espaços específicos e os momentos de felicidade, que comprovam a existência efetiva da ligação amorosa. Como os filmes industriais desenvolveram o happy-end, com a união do par ao final, o drama romântico permite ao espectador aguardar, tensamente, a separação ou acontecimentos trágicos que irão intervir para a sua não viabilidade.”

Quatro casamentos e um funeral utiliza dos elementos dramáticos comuns à comédia-romântica. Charles (Hugh Grant) é uma espécie de Don Juan, solteiro convicto. Conhece Carrie (Andie MacDowell) em um casamento. Os dois se encantam, passam a noite juntos e se separam. Voltam a se encontrar. Carrie está noiva, mas dorme novamente com Charles. Os encontros e desencontros se sucedem, incluindo casamento de um e de outro.

O que transforma, então, Quatro casamentos… em um filme diferente do gênero, capaz de agradar público, crítica e entrar para a galeria dos filmes mais queridos do cinema? Em primeiro lugar, a escolha do ângulo de visão do diretor sobre acontecimentos rotineiros da sociedade. Mike Newell vê tudo com olhar amoral, contemplativo, reforçando o humor de pequenos, mas importantes acontecimentos na vida dos casais. Os discursos dos padrinhos após o casamento, os erros do padre iniciante (Rowan Atkinson em divertida participação), uma bizarra cena de amor entre recém-casados aos ouvidos de Charles, escondido no armário, as gags sem fim de Charles com suas ex-namoradas. Os personagens se divertem com as situações, assim como o público.

Até mesmo nos momentos dramáticos, o filme assume essa naturalidade cotidiana. A beleza de Matthew (John Hannah) declamando o poema de W. H. Auden no funeral de seu namorado Gareth (Simon Callow) está no comportamento das pessoas na igreja. Elas assistem a uma das mais bonitas revelações de amor do cinema com olhar terno, como se naquele momento não houvesse lugar para a dor, apenas para a beleza dos amantes refletida nos versos do poema.

O segredo do filme está também na reiteração dos aspectos comuns do gênero, mas sem aquele exagero estético. A música pontua sutilmente, as cenas de sexo apresentam cortes nos momentos precisos – uma manhã na cama após a noite de amor começa com belo plano do Rio Tâmisa, em Londres, a câmera em travelling lento até entrar pela janela e enquadrar Charles entre lençóis amarrotados, sob o olhar de Carrie.

A cena final, na chuva, remete a momentos emocionantes do cinema, como despedidas em meio ao caos urbano. “O espaço preferido dos realizadores dos anos 40 para as despedidas do par central é a estação de trem. Metaforicamente, permite imobilizar o amante que fica só na estação com o afastamento rápido e em crescendo daquele que está embarcando.” – Heitor Capuzzo.

Ninguém resiste a beijos de adeus ou de reconciliação em meio à névoa do aeroporto, interrompidos pelo apito do trem ou molhados pela chuva. É a magia do cinema romântico desde a sua mais tenra idade.

Referência: Lágrimas de luz – o drama romântico no cinema. Heitor Capuzzo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999

A sociedade literária e a torta da casca de batata

Juliet Ashton (Lily James) recebe carta de fazendeiro da pequena ilha de Guernsey, situada no Canal da Mancha. Ele pede dicas de leitura para trocar com os membros do grupo de leitores do qual participa, intitulado A sociedade literária e a torta de casca de batata. Em crise criativa, a jovem escritora parte para a ilha intrigada com o grupo com nome inusitado, buscando material para um novo livro. 

O amor pela literatura é o tema de mais um belo filme de Mike Newell (Quatro casamentos e um funeral). O grupo de leitura foi criado durante a ocupação nazista como forma de resistir aos tempos sombrios. Os integrantes escondem um segredo do passado que Lily tenta desvendar. A deslumbrante paisagem da ilha, a singela amizade dos componentes do grupo, o amor que começa a florir – Lily está no meio de tudo isto com o olhar de escritora. Filme para amantes dos livros. 

A sociedade literária e a torta de casca de batata (The guernsey literary and potato peel pie society, Inglaterra, 2018), de Mike Newell. Com Lily James, Michiel Huisman, Tom Courtenay, Katherine Parkison, Matthew Goode.