Procura insaciável (Taking off, EUA, 1917) é o primeiro filme de Milos Forman nos EUA. O jovem diretor deixou a Tchecoslováquia logo após a Primavera de Praga, levando no currículo dois filmes reconhecidos internacionalmente, ambos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro: Os Amores de Uma Loura (1966) e O Baile do Bombeiro (1968).
Em Procura insaciável, Milos Forman mantém o humor de suas obras anteriores, pautadas em críticas sociais e de costumes que marcaram os conturbados anos 60 e 70. O filme começa com uma audição para a formação de um grupo teatral (entre as cantoras estão duas estreantes que fariam sucesso na sequência: Carly Simon e Katley Battles). A adolescente Jeannie participa da audição e, logo depois, foge de casa. Os pais, então, saem à procura da jovem em vários pontos da cidade.
“Sendo obrigados, ao tentar descobrir o paradeiro da filha, a sair da segurança de seu mundo suburbano, Henry e Lynn passam a confrontar-se com personagens e situações através dos quais Forman aproveita para exercitar todo o senso de crítica social e o humor ácido que havia caracterizado seus filmes da fase tcheca. Tamanha seria a quantidade de jovens que saía de casa para um mundo que lhe oferecia novas opções de vida, que Procura Insaciável retrata seus pais reunidos em associações através das quais tentavam ‘não somente encontrá-los, mas também entendê-los’. Desta forma, nossos protagonistas passam por uma reunião na qual, em uma hilária sequência, o ator Vincent Schiavelli (uma marca registrada do diretor, aparecendo em quase todos seus filmes desde então) ensina um grupo de pais aparvalhados como confeccionar e fumar um baseado. Doidões, são acompanhados por outro casal à sua casa, em um jogo de strip poker que fatalmente desembocaria em sexo grupal se não fosse a chegada da filha chocada.” – Gilberto Silva Jr. – Contracampo.
Pedro, o negro (Cerny Petr, Thecolosváquia, 1964), de Milos Forman.
Os primeiros filmes de Milos Forman, realizados na antiga Tchecoslováquia, trouxeram à tona o cotidiano inquietante e, por vezes subversivo, da juventude durante o regime comunista. O diretor comentou certa vez que gostava de retratar os jovens porque os homens e mulheres de sua geração, entre 0s 30 e 40 anos, só pensavam em suas carreiras profissionais. Essa forma de retratar os jovens arrebatou críticos do mundo inteiro, principalmente os já deslumbrados com o novo cinema dos anos 60, logo nos dois primeiros filmes: Pedro, o negro e Os amores de uma loira.
Pedro (Ladislav Jakim) é um adolescente submisso aos desejos do pai controlador. Ele consegue emprego em uma mercearia e sua função é vigiar os clientes que possivelmente possam furtar mercadorias (a vigia do regime comunista em seus cidadãos?). Quando tem que abordar um cliente, Pedro o faz tão timidamente, com tanta reserva, que parece pedir perdão pelo que está fazendo. A sequência em que ele persegue um homem pelas ruas da cidade, quase colado nele, sem disfarçar, mas também sem abordar, é de um humor ácido (todos sabem que estão sendo vigiados).
Momentos fortes e dramáticos da narrativa singela se concentram na relação entre Pedro e o pai (Petruv Otec), figura forte, paternalista, disposto a preparar o filho para o mundo cruel. Suas orientações e advertências são agressivas, mas não cruéis, o pai não demonstra carinho pois se guia por frases cortantes como “suporte isso por um dois anos e será um homem.”
Com esse olhar peculiar e inquisidor sobre a juventude sem rumo em seus três primeiros filmes na fase tcheca, Milos Forman incomodou demais o regime. Após O baile dos bombeiros (1967), foi forçado a emigrar para os EUA, onde chegou já com o prestígio necessário para se envolver em grandes e premiados filmes, como Procura insaciável, Um estranho no ninho, Hair, Amadeus e Valmont.
Os amores de uma loira (Lásky jedné plavovlásky, Tchecoslováquia, 1965), de Milos Forman. A jovem Andula (Hana Brejchová) vive em uma pequena cidade da Tchecoslováquia, pouco resignada com a vida rotineira, monótona. A pequena cidade representa o clima de solidão e desesperança que impera entre os jovens da Tchecoslováquia durante o regime comunista. O espírito da Primavera de Praga já rondava pelos ares, quando a população, principalmente os jovens, saíram às ruas em protestos.
Durante uma festa, frequentada por um grupo de soldados em visita à cidade, as jovens buscam por relacionamentos (“Nós temos 16 meninas para cada rapaz aqui”, comenta um oficial). Todos os soldados são de meia-idade, à exceção de Milda (Vladimir Pucholt), o jovem pianista, que flerta com Andula durante a festa. No final da noite, os dois saem e dormem juntos, em uma linda sequência erótica. Na manhã seguinte, Milda deixa a cidade e Andula embarca em uma aventura, viajando sozinha em busca de seu amor.
Os amores de uma loira é um importante representante do novo cinema dos anos 60, capitaneado pela nouvelle vague francesa, que levou às telas muito da frustração, da insatisfação, da busca pela liberdade política, sexual e social dos jovens. Na Tchecoslováquia, o cinema de Milos Forman simbolizou nas telas esse clima, com filmes realizados antes de seu exílio para os EUA, entre eles Os amores de uma loira, Pedro, o negro e a obra-prima O baile dos bombeiros.
Assim como vários clássicos do cinema, o baile dos bombeiros nasceu dos olhares observadores dos roteiristas. Milos Forman e o roteirista Ivan Passer estavam hospedados em um hotel na pequena cidade de Vrchlabí, escrevendo uma história sobre o Sr. Vrabec, que tinha 82 anos e vivia em uma casa de repouso. “Ele foi pego transando com uma velhinha no mato. Então a diretora o fez se casar com essa senhora de 75 anos. O hotel em que nos hospedamos era tão quente que tínhamos de deixar as janelas abertas. Resolvemos sair do hotel à noite, Estava escuro e havia uma música saindo de um prédio. Era um ginásio e havia um baile de bombeiros. Lá dentro vimos uma escada que levava ao primeiro andar. Os bombeiros estavam jogando um bêbado pela escada e ele rolou para os nossos pés. Milos imediatamente começou a discutir com o bombeiro. Nós subimos e eles estavam sorteando uma rifa. Não me lembro exatamente, só sei que nos olhamos e na manhã seguinte começamos a escrever o roteiro.” – Ivan Passer.
A cena do bêbado jogado na neve está no filme, assim como a rifa, base da narrativa que acabou se transformando em um metáfora poderosa sobre a sociedade comunista theca da época e provocou a ira do governo. A história começa com um grupo de bombeiros conversando sobre a melhor forma de entregar um troféu ao ex-presidente da corporação durante o baile dos bombeiros. Na festa, serão sorteados vários alimentos doados pelos moradores da cidade (a rifa) e será eleita a Miss Bombeiros, escolhida entre as jovens participantes.
A trama segue esses eventos sem uma coerência narrativa, o filme é uma sucessão de gags, misturando comédia de erros e humor pastelão, tudo representado por atores não-profissionais (alguns eram, inclusive, ex-bombeiros). Os alimentos que seriam sorteados são, aos poucos, surrupiados, enquanto os bombeiros se deleitam em uma sala fechada escolhendo a miss, entre oito jovens. Passo a passo, tudo dá errado até que acontece um incêndio nas imediações do ginásio.
Milos Forman diz que “de certa forma, desconfiávamos, mas não queríamos admitir, que construímos uma metáfora de toda a sociedade. E também, o filme é diferente do roteiro. Sabia que filmaríamos coisas que não poderíamos escrever.” Essa prática era comum em regimes totalitários, pois os roteiros tinham que ser aprovados pelos censores.
A principal metáfora à qual Milos Forman se refere reside no roubo dos brindes, pois alude à escassez de alimentos presente na sociedade, transformando o cidadão comum em um potencial ladrão, devido à necessidade de sobrevivência. O roubo, segundo Milos Forman é, ainda, o principal catalisador da ira dos censores.
Quando os bombeiros se dão conta de que todos os alimentos foram furtados, o chefe da corporação diz ao microfone que apagará as luzes para que os ladrões devolvam os brindes. Assim que a luz se acende, um dos bombeiros é flagrado devolvendo um grande pudim de porco que fora roubado pela sua esposa. Ele desmaia e é levado para a sala anexa, onde acontece uma grande discussão. Um bombeiro, irado, acusa: “Por que você devolveu, seu idiota?” Outro diz: “Se você estivesse na posição dele como um homem honesto, você também o devolveria.” Milos Forman relata que neste momento é dita a frase que enfureceu todo o regime e foi responsável pelo banimento do filme: “Eu nunca devolveria. O prestígio da brigada é mais importante do que minha honestidade.”
No entanto, os problemas do diretor não terminaram aí. O filme contou com financiamento do italiano Carlo Ponti. Quando assistiu ao filme, Carlo Ponti se levantou no final e saiu da sala sem sequer olhar para Milos. “No dia seguinte, me ligaram dizendo que Ponti queria o dinheiro de volta (oitenta mil dólares). Por estranho que possa parecer, seus motivos eram iguais aos dos censores, alegando que o filme ridiculariza o homem comum e as pessoas não iriam gostar disso.”
Endividado e sem condições de pagar, Milos Forman foi salvo por François Truffaut e Claudio Berri. Os franceses assistiram ao filme, adoraram, é claro, pois sabiam que estavam diante de uma obra-prima, hoje reconhecida como um dos melhores filmes de todos os tempos. Truffaut e Berri pagaram os dez mil dólares ao produtor e ajudaram na distribuição do filme.
O baile dos bombeiros (Hoti, má panenko, Tchecoslováquia, 1967), de Milos Forman. Com Jan Vostrčil, Josef Sebánek, Josef Valnoha.
Hair (EUA, 1979), de Milos Forman, tem o poder das lembranças. Passei parte da adolescência e juventude dentro de uma sala de cinema. Lembro-me de assistir à história de Claude e Berger cinco ou seis vezes. Saía do cinema sem entender as sensações, voltava na semana seguinte.
Explicações para o fascínio? A rebeldia dos jovens hippies, livres pelas ruas da cidade, queimando convocações do exército, urinando na grama, invadindo festas da alta sociedade, se reunindo em grupos para fazer sexo, consumir drogas. As músicas. Donna Summer voando sobre o parque (Aquarius). Os cabelos ao vento de Hud andando a cavalo (Sodomy). O lamento da mulher de Woof vendo seu companheiro entregue ao destino (Easy to be hard). O carro cheio de jovens cortando o deserto, capota abaixada, o sol no rosto, a felicidade que vai acabar em pouco tempo (Good morning starshine). As lágrimas rolando pelo rosto de Berger de cabelos cortados, em uma fila de soldados, embarcando para a realidade (Manchester). O grupo de amigos no alto da colina, as cruzes brancas no cemitério, a multidão de jovens invadindo o gramado do Capitólio (Let the sunshine in).
É isso. É um musical. É Hair… É o cinema dos anos 70.