Vidas secas

Vidas secas (Brasil, 1963), de Nelson Pereira dos Santos.

A morte da cachorra Baleia é uma das cenas mais tristes do cinema brasileiro. Ela olha uma última vez para os roedores à distância, sem disposição para persegui-los. Baleia se deita e fecha os olhos sonolenta. 

Vidas secas foi filmado em Mirador do Negrão, município paupérrimo (ainda hoje), próximo a Palmeira dos Índios, onde viveu, e foi prefeito, Graciliano Ramos. Nelson Pereira dos Santos, pioneiro do cinema novo brasileiro com seu filme Rio 40 graus (1955), fez escolhas técnicas e estéticas para se aproximar ao máximo da narrativa do romance. 

Os diálogos quase não existem, os personagens, principalmente os protagonistas Fabiano (Átila Iório) e Sinhá Vitória (Maria Ribeiro) trocam frases curtas e inacabadas, como se nada precisasse ser dito diante do sol arrasador. Não há trilha sonora, o som direto capta as sensações do sertão e, em alguns momentos, agride os sentidos do espectador, como o estridente barulho do ranger das rodas do carro de boi. A câmera na mão, tremida, é também um retirante, acompanhando Fabiano e sua família pelas paisagens desertas. A fotografia, feita com luz natural forte, sem filtros, aproveita a inclemência solar para ampliar a sensação de decrepitude dos cenários e dos retirantes. 

“A fotografia e o som do filme são os exemplos mais claros desse movimento, na base do próprio deslocamento da equipe às locações em Alagoas. Vidas secas, nesse sentido, é um filme de sensações, marcado pelo som e pela luz do sertão, em seu modo de serem incorporados artisticamente na forma cinematográfica. A luz forte das imagens foi um grande achado original de Luiz Carlos Barreto, que concebeu a proposta de fotografia com o apoio de Nelson. É uma luz que machuca os olhos. A luz estourada ao fundo, como bem nota Nelson Pereira, faz com que a composição fotográfica tenha que ser feita nos rostos – é o que sobra como matéria na intensidade do branco do céu, que inunda a imagem e impregna a natureza.” – Fernão Pessoa Ramos. 

O filme começa e termina de forma semelhante, adotando a clássica estrutura circular das narrativas. “Um atrás do outro, primeiro surgem a cachorra Baleia, então Sinhá Vitória, Fabiano e os dois meninos, seus filhos. Como o filme vai mostrar, eles vêm de um lugar indefinido para chegar em outro.” – André Miranda

No final, as duas crianças caminham lentamente, atrás vem Sinhá Vitória, por fim, Fabiano, todos carregando pesados pertences e mantimentos apoiados nas cabeças. Ouve-se o som forte de um berrante, a família contorna a cerca que divide a estrada, olha para a paisagem agreste e segue em frente. A câmera não os acompanha, filma os quatro lado a lado de costas (como na bela cena final de Tempos modernos – 1936, de Charles Chaplin) se afastando, se afastando… Falta alguém nesse belo e triste enquadramento.  

Referências:

100 melhores filmes brasileiros. Paulo Henrique Silva (org.). Belo Horizonte: Letramento, 2016. 
Nova história do cinema brasileiro. Volume 2. Fernão Pessoa Ramos e Sheila Schvarzman (organização). São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018

Mandacaru Vermelho

Mandacaru Vermelho (1961) abre com massacre na Pedreira do Mandacaru Vermelho perpetrado pelos capangas de Dona Dusinha. Corta para Dona Dusinha, anos depois, abrindo as janelas da casa aos gritos de Clara, sua sobrinha. Ela descobre que a jovem fugiu com Augusto, empregado da fazenda. Decidida a lavar a honra da família, a poderosa fazendeira reúne filhos e sobrinho e parte em busca dos fugitivos.

A narrativa segue os cânones do faroeste do sertão, gênero que fez sucesso a partir dos anos 50 no cinema brasileiro. Clara e Augusto fogem com a ajuda do vaqueiro Pedro e são perseguidos a tiros, com sequência final na pedreira que faz referência a grandes westerns americanos. Outra marca do filme é a improvisação, pois o diretor Nelson Pereira dos Santos estava no sertão baiano para filmar Vidas Secas. A chuva impediu as filmagens e a equipe decidiu aproveitar a mudança da paisagem do sertão.

“Nelson Pereira dos Santos, outro cineasta que ‘descobriu’ a Bahia em 1960, realiza em Juazeiro, às margens do Rio São Francisco, MANDACARU VERMELHO. A história das filmagens é conhecida: Nelson foi à Bahia na esperança de filmar VIDAS SECAS; lá chegando, o sertão vira mar e chove durante dias; então a caatinga floriu, e a equipe começa a falar em tom de brincadeira em ‘vidas molhadas’. Ilhados em Juazeiro, com a cidade alagada, a saída encontrada foi a realização de outro filme, aproveitando o cenário diferente da caatinga florida. O próprio Nelson faz o papel do mocinho que foge com a mocinha já prometida para outro. Perseguidos pela família da jovem, refugiam-se no monte do Mandacaru Vermelho, onde um beato errante realiza o casamento. No final os perseguidores morrem, e o casal consegue escapar para um vilarejo próximo assistindo emocionado a uma cerimônia de casamento.”

Mandacaru vermelho (Brasil, 1961), de Nelson Pereira dos Santos. Com Nelson Pereira dos Santos, Miguel Torres, Jurema Pena, Sonia Pereira.