O homem do braço de ouro (The man with golden arm, EUA, 1955), de Otto Preminger.
Frankie Machine (Frank Sinatra) sai da prisão e retorna ao bairro onde ganhava a vida como crupiê e se viciou no consumo de heroína. Durante a reabilitação, ele aprendeu a tocar bateria e pretende se tornar músico profissional, mas o traficante e seus antigos comparsas no jogo o espreitam minuto a minuto, provocando a inevitável volta ao submundo das drogas e das jogatinas.
O diretor Otto Preminger enfrentou o Código Hays na abordagem de um tema “proibido” pelos censores: o vício em drogas. As cenas explícitas de Frank injetando heroína na veia e a sequência em que está preso em um pequeno quarto, sofrendo com a crise de abstinência, apresentam a cruel realidade desta doença.
O filme, totalmente rodado em estúdio, traz as características do cinema noir, incluindo uma inusitada femme fatale: Zosch (Eleanor Parker), esposa de Franckie, que finge estar presa a uma cadeira de rodas após um acidente de carro, e praticamente força o marido a desistir da carreira de músico e voltar para a profissão de crupiê. Molly (Kim Novak) é a única esperança neste mundo habitado pela marginalidade.
O homem do braço de ouro é famoso na história do cinema por três aspectos: os inovadores créditos de Saul Bass, durante a abertura; a música de Elmer Bernstein – indicada ao Oscar; uma das melhores atuações de Frank Sinatra – também indicado ao Oscar.
Elenco: Frank Sinatra (Frankie Machine), Kim Novak (Molly), Eleanor Parker (Zosch Machine), Arnold Stang (Sparrow), Darren McGavin (Louie), Robert Straus (Schwiekfa).
Alfred Hitchcock se referiu que o amor que Scottie (James Stewart) desenvolve por Madeleine (Kim Novak) em Um corpo que cai (1958) era “necrofilia pura”, afinal, Madeleine já era um cadáver. Apaixonar-se pelo retrato de uma jovem morta pode se aproximar disto em um sentido mais poético.
Em Laura, clássico do cinema noir, O detetive Mark McPherson está investigando o assassinato de Laura, ocorrido na noite anterior, uma sexta-feira. Ela abriu a porta de seu apartamento e foi alvejada por dois tiros de espingarda.
O principal suspeito é o playboy Shelby Carpenter, na lista se inclui também o jornalista excêntrico Waldo Lydecker, espécie de tutor de Laura no mundo profissional. Incluindo o detetive e o pintor do quadro, que não participa da trama, são quatro homens fascinados, apaixonados por Laura. A virada acontece quando o detetive adormece em uma cadeira, com o retrato de Laura ao fundo. A porta se abre e Laura entra.
“Nos cenários claustrofóbicos e de um excêntrico tom onírico pelos quais transitam as personagens – raramente acompanhadas de figurantes, o que dá ainda mais relevância a cada linha de diálogo que sai de suas bocas -, um dos elementos simbólicos mais proeminentes é o retrato de Laura pintado por um de seus admiradores, quase onipresente na mise-en-scène minuciosa de Preminger. Representado na tela está uma figura feminina pela ótica masculina que, segundo Waldo, não é capaz de captar a pulsante chama de vida que resplandece de sua pele. Por essa razão, a indagação sobre quem a matou é abandonada antes da metade do filme, pois o que está em jogo é muito mais a existência de cada um dos homens – e por extensão o próprio público, pleno de convicções – atribui a ela.” – Vinicius Lins Magno
Laura subverte um dos princípios básicos do filme noir: a femme fatale sedutora, fria e calculista que manipula os homens para atingir seus objetivos. A Laura de Gene Tierney é inocente, em um certo aspecto ingênua de seus encantos, pensa estar apaixonada por Carpenter e quer protegê-lo. Claro, usa de seus encantos joviais para ascender na profissão e na sociedade, se aproveitando do fascínio que o famoso jornalista sente por ela. Mas não é o arquetípico da criminosa do noir.
“A protagonista, mesmo que completamente inocente no crime e aparentemente alheia ao feitiço que conjura com sua beleza, não precisa apontar um revólver para o rosto de alguém para fazer as vezes de femme fatale. É a curiosidade quase vulgar em torno de sua figura que acende a pólvora no coração dos homens e os projeto à autodestruição, numa trajetória de insanidade.” – Vinicius Lins Magno.
O destaque do filme, uma das grandes cenas do cinema noir, é quando o detetive interroga Laura em seu gabinete. Laura está sentada diante da luz agressiva usada em interrogatórios. McPherson está em pé do outro lado da mesa. Ela acusa o detetive de estar tentando forçá-la a confessar o crime. A conversa segue, Laura abaixa a cabeça e encobre o rosto com uma das mãos: “Não posso, por favor. Essa luz precisa ficar no meu rosto?” McPherson desliga a luz, Laura levanta a cabeça e olha para o detetive, iluminada pela suave luz noir, seu rosto no esplendor de uma triste beleza. Apaga-se o retrato, McPherson finalmente vê Laura surgir diante de seus olhos apaixonados.
Laura (EUA, 1944), de Otto Preminger. Com Gene Tierney (Laura Hunt), Dana Andrews (Mark McPherson), Clifton Webb (Waldo Lydecker), Vincent Price (Shelby Carpenter), Judith Anderson (Ann Treadwell).
Referência: Livreto encartado no bluray da Versátil Home-Vídeo, curadoria de Fernando Brito.