Algo diferente

Algo diferente (República Tcheca, 1963) é o primeiro filme da premiada diretora Vèra Chytilová, lançado no movimento conhecido como Nouvelle Vague Tcheca. A narrativa, mescla de documentário e ficção, acompanha duas histórias paralelas.

Vera (Vera Uzelacová) é uma dona de casa que vive uma vida comum, cuida do filho, tem um relacionamento estável com seu marido, mas um dia conhece um homem na rua e começa e mantém um caso extraconjugal. Mesmo fascinada, ela não aceita se separar do marido.

A segunda narrativa, um documentário, acompanha o dia-a-dia de treinamento de Eva Bosakova, uma ginasta olímpica medalhista de ouro olímpica. É uma maratona de exercícios que destaca o sofrimento físico e psicológico da atleta, pressionada pelo treinador, Eva se entrega quase à exaustão e segue em frente, quase atingindo os limites do corpo. 

Algo diferente foi sucesso de público e de crítica. Vera Chytilová anuncia de imediato o cinema feminista e contestador que vai marcar a sua carreira, principalmente em dois aclamados filmes: As pequenas margaridas (1966) e Fruto do paraíso (1970) – após esse fllme a cineasta foi banida durante oito anos pelo governo de seu país.

O cremador

O cremador (República Tcheca, 1968 ), de Juraj Herz, é um dos filmes mais aterradores que trata simbolicamente do holocausto praticado pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundia. karel Kopfrkingl (Rudolf Hrusinsky) é casado, tem dois filhos e começa a trabalhar em um crematório de Praga. É um pai dedicado a ensinar os filhos, seu comportamento e diálogos são demarcados por gestos e palavras pretensamente eruditos, seu jeito de se vestir e de se relacionar em público atestam um homem vaidoso, educado, disposto a ascender socialmente. 

Essa ascensão começa a tomar contornos assustadores, encaminhando a narrativa para um thriller de suspense psicológico, quando seus amigos, adeptos do nazismo, o convidam para entrar no partido. Mas para isso, Karel precisa vigiar seus amigos judeus, incluindo sua esposa, que é “meia-judia”, portanto, o sangue de seus filhos também está “contaminado”. 

O clímax do filme é simbólico dessas mentes perturbadas que dominaram os oficiais nazistas e grande parte da sociedade em busca da limpeza étnica. O crematório de Karel se transforma em um instrumento da morte, com cenas fortes envolvendo a mulher e os filhos do protagonista. 

Saco de pulgas

Saco de pulgas (Pytel blech, República Tcheca, 1963), de Vera Chytilová. 

O filme começa com a jovem Jana (Helga Cocková) chegando no dormitório da fábrica onde vai trabalhar. Não vemos a personagem, apenas o grupo de garotas que dividem o espaço a tratando de forma jocosa, ironizando seu jeito e sua aparência. Nesse momento, conhecemos Jana pelos comentários que ela faz em off. 

A abertura irreverente pontua o estilo da cineasta Vera Chytilová, uma das mais influentes da renascença do cinema Tcheco nos anos 60. Jana, aos poucos, demonstra sua personalidade combativa, se rebelando contras as regras rígidas do internato e da fábrica, regida por um comitê de homens, membros do partido socialista. Saco de pulgas representa o cinema contestador, feminista, de uma das principais diretoras do cinema theco. 

Diamantes da noite

Diamantes da noite (República Tcheca, 1964), de Jan Nemec. Com Ladislava Jansky e Antonin Kumbera. 

A abertura do filme já anuncia o estilo livre e rebelde das filmagens, bem sintonizada com o novo cinema dos anos 60. Dois jovens correm por um campo, a partir de uma linha de trem (escaparam do trem em movimento, destinado ao transporte de judeus para os campos de concentração). A câmera treme incessantemente, desfoca, foca novamente, corre e, por vezes, cai junto com os jovens já exaustos.

É um filme praticamente silencioso, com diálogos curtos e esparsos, a estética privilegia a imagem carregada da tensão da fuga dos jovens exaustos e famintos nos campos, bosques, morro de pedras. Flashbacks e flashforwards confundem o espectador sobre o que realmente aconteceu ou acontecerá, nada é definido, são apenas imagens curtas que cortam a ação. 

O final em aberto provoca ainda mais, remetendo a incerteza, a um mundo onde  nada se prevê, nem mesmo a vida ao fim do dia. Atenção para a sequência dos alemães se embebedando em uma taberna enquanto os jovens assistem as cenas grotescas que podem decidir pela sobrevivência dos dois. 

A pequena loja da rua principal

A pequena loja da rua principal (Obchod na korze, República Tcheca, 1966), de Ján Kadá e Elmar Klos. 

Tono (Josef Kroner) é carpinteiro em cidadezinha da Tchecoslováquia. Está desempregado e passa os dias sendo atormentado pela mulher. Para escapar, ele vai regularmente à cidade onde, na rua principal, está sendo construído um monumento de madeira em homenagem aos nazistas. Seu cunhado é o representante oficial dos nazistas na cidade e oferece a Tono a administração de uma pequena loja, cuja proprietária é a senhora Lautmann (Ida Kaminska) uma velha judia que sofre de surdez. 

“Talvez o mais comovente drama feito sobre o holocausto, o filme de Ján Kadá e Elmar Klos, trata da moralidade individual e da responsabilidade no contexto de uma sociedade ‘total’, tema provocante que não passou despercebido dos censores thecos. Embora trate das complicadas questões humanas levantadas pelo relacionamento entre judeus e gentios em uma Tchecoslováquia ocupadas pelos alemães, o filme descobre uma esperança utópica para a felicidade coletiva no meio do desespero profundo”. 

A relação entre Tono e a senhora judia começa agressiva de ambos os lados e, passo a passo, caminha para a aceitação e o respeito. O desejo de ascensão social de Tono e, principalmente de sua ambiciosa mulher, naufraga rápido, pois a loja sequer tem produtos para serem vendidos. Tudo muda quando os nazistas decretam a deportação dos judeus da cidade para os campos de concentração. O bom humor e a sensação de esperança dá lugar à tragédia, o final representa as trevas que cobriam a Europa. 


Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

As pequenas margaridas

As pequenas margaridas (República Tcheca, 1966), de Vera Chytilová. Com Ivana Karbanová e Jitka Cerhová

O filme começa com plano fechado em duas jovens, cujos nomes verdadeiros não serão revelados ao longo da trama (ambas são Marie) tomando sol de biquínis. Elas conversam sobre trivialidades e, em determinado momento, dizem a frase que será o cerne da narrativa: “Se o mundo está tão mal, então seremos más também.”

A partir daí, as duas começam uma série de brincadeiras atrevidas, provocando as pessoas em restaurantes, bares e demais ambientes; brincadeira de mau gosto que envolvem uma comilança sem fim. Elas conquistam homens mais velhos dispostos a pagar a conta dos lugares, se empanturram e os dispensam. 

Claro, o filme teve diversos problemas com a censura comunista da antiga Tchecoslováquia. As protagonistas representam a anarquia pura de uma proposta de libertação feminina em um mundo dominado pelos autoritários homens do poder. 

“Um dos exemplares mais delicosamente piscodélicos e cheios de estilo dos anos 60, As pequenas margaridas, de Vera Chytilová, é uma farsa feminista amalucada e agressiva, que explode em diversas direções. Embora muitos cineastas americanos e europeus se orgulhassem, na época, de sua vocação para a subversão, é possível que o filme mais radical da década – tanto formal quanto ideologicamente – seja proveniente do Leste europeu, do caldeirão que fervia com a preparação para as reformas políticas de 1968: a Primavera de Praga, de tão curta duração.”

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

A festa e os convidados

A festa e os convidados (República Tcheca, 1966), Jan Nemec. Com Helena Pejšková, Jana Prachařová, Zdena Skvorecky, Ivan Vyskocil, (Jan Klusák, Jiri Nemec. 

Sete burgueses estão em um bosque, fazendo um piquenique. Logo depois eles seguem em direção a uma festa, em uma casa de campo. Durante o trajeto, são abordados por um grupo de jovens que começam uma série de brincadeiras com os burgueses e, passo a passo, a situação caminha para uma possível tragédia. 

A virada acontece quando o anfitrião da festa chega, repreende o grupo, dizendo que tudo não passou de um mal entendido. Todos os convidados se encaminham para o banquete servido ao ar livre, à beira de um lago. 

A festa e os convidados é um dos filmes que marca a renascença do cinema theco, conhecida como Nouvelle Vague Tcheca. O filme foi rodado em 1966, mas devido à censura, foi exibido em 1968. Durante a explosão da Primavera de Praga, o filme foi censurado novamente. 

A alegoria não agradou ao regime, pois assim como O baile dos bombeiros (1967) e As pequenas margaridas (1966), a exploração do tema comida em profusão representou o momento de escassez da sociedade, bem como a passividade, a submissão diante de autoridades. Durante o assédio no bosque, ninguém, nem mesmo os agressores, sabem o motivo e, cabe aos agredidos, aceitarem de cabeça baixa as ameaças. 

Um dia, um gato

Um dia, um gato (República Tcheca, 1963), de Vojtech Jasny. Com Jan Werich (Oliva), Emília Vásáryová (Diana), Vlastimil Brodsky (Robert). 

Oliva abre a portinhola da torre da igreja e conversa com a câmera, questionando o espectador se o que ele vai ver é fantasia ou realidade. A seguir, ele saca um monóculo e, do alto da sacada da igreja, observa os moradores da pequena aldeia, tecendo comentários irônicos sobre eles. 

A pequena cidade da Tchecoslováquia, cujos moradores vivem atrelados ao seu passado conservador, vai ser desafiada por uma trupe circense que entra festivamente pela praça central da cidade. A grande atração da trupe é a bela Diana e seu gato de óculos. A fantasia ou realidade? Quando o gato fica sem os óculos, consegue enxergar, assim como as pessoas ao redor, os moradores em cores extravagantes, representando o que trazem escondidos: os mentirosos são roxos, os ladrões são cinzas, os falsos, amarelos e os apaixonados, vermelhos. O gato consegue fugir e os moradores da cidade, com vergonha da revelação, perseguem o animal, com intenção de matá-lo. 

O filme conquistou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes de 1963. Ainda hoje, essa história onírica é aclamada internacionalmente. A alegoria poética, combinando as cores vibrantes e a música durante a revelação dos moradores encanta e assusta, pois expõe questões como a moralidade hipócrita da sociedade.

Um dia, um gato é uma das obras-primas da Nova Onda Tcheca. O filme incomodou, com metáforas potentes, os regimes ditatoriais da época no leste europeu dominado pela União Soviética.  

Revolução na terra dos brinquedos

Hermína Týrlová, aclamada diretora alemã de animação, dirige em parceria essa pequena obra-prima, uma manifesto contra o nazismo e o fascismo. Um fabricante de brinquedos de madeira está trabalhando em sua oficina quando se vê ameaçado por um oficial da Gestado. Ele foge pela janela, o policial invade a oficina e começa a vasculhar o ambiente, tentando destruir os brinquedos. 

Os brinquedos ganham vida e fazem uma resistência coletiva contra o oficial, usando de inventividade, com recursos criativos de guerrilha, bem ao estilo da resistência tcheca durante a ocupação na Segunda Guerra Mundial. Revolução na terra dos brinquedos, de certa forma, é o antecessor de Toy Story, colocando o universo da fantasia contra os horrores do nazismo. 

Revolução na terra dos brinquedos (República Tcheca, 1946), de Hermína Týrlová e Šádek František.

Pedro, o negro

Pedro, o negro (Cerny Petr, Thecolosváquia, 1964), de Milos Forman.

Os primeiros filmes de Milos Forman, realizados na antiga Tchecoslováquia, trouxeram à tona o cotidiano inquietante e, por vezes subversivo, da juventude durante o regime comunista. O diretor comentou certa vez que gostava de retratar os jovens porque os homens e mulheres de sua geração, entre 0s 30 e 40 anos, só pensavam em suas carreiras profissionais. Essa forma de retratar os jovens arrebatou críticos do mundo inteiro, principalmente os já deslumbrados com o novo cinema dos anos 60, logo nos dois primeiros filmes: Pedro, o negro e Os amores de uma loira. 

Pedro (Ladislav Jakim) é um adolescente submisso aos desejos do pai controlador. Ele consegue emprego em uma mercearia e sua função é vigiar os clientes que possivelmente possam furtar mercadorias (a vigia do regime comunista em seus cidadãos?). Quando tem que abordar um cliente, Pedro o faz tão timidamente, com tanta reserva, que parece pedir perdão pelo que está fazendo. A sequência em que ele persegue um homem pelas ruas da cidade, quase colado nele, sem disfarçar, mas também sem abordar, é de um humor ácido (todos sabem que estão sendo vigiados). 

Momentos fortes e dramáticos da narrativa singela se concentram na relação entre Pedro e o pai (Petruv Otec), figura forte, paternalista, disposto a preparar o filho para o mundo cruel. Suas orientações e advertências são agressivas, mas não cruéis, o pai não demonstra carinho pois se guia por frases cortantes como “suporte isso por um dois anos e será um homem.”

Com esse olhar peculiar e inquisidor sobre a juventude sem rumo em seus três primeiros filmes na fase tcheca, Milos Forman incomodou demais o regime. Após O baile dos bombeiros (1967), foi forçado a emigrar para os EUA, onde chegou já com o prestígio necessário para se envolver em grandes e premiados filmes, como Procura insaciável, Um estranho no ninho, Hair, Amadeus e Valmont.