Uma tão longa ausência

Os consagrados diretores da nouvelle-vague francesa tiveram certa resistência em aceitar Uma tão longa ausência como parte do movimento. Para eles, o filme se assemelhava ao “cinema de qualidade” tão criticado por Truffaut, Godard e companhia ainda nos tempos de críticas da Cahiers du cinema

O fato é que a obra de Henri Colpi, com roteiro de Marguerite Duras, conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Thérèse administra um café nos subúrbios de Paris. Vive um romance com Fernand, mas passa seus dias com um ar sombrio, triste, assombrada pelo passado – seu marido desapareceu durante a Segunda Guerra Mundial. Todos os dias pela manhã, um mendigo passa pelo seu café cantarolando músicas clássicas. Quando o vê de perto, Thèrèse acredita que ele é o seu marido. 

Os temas da ausência e da memória permeiam toda a narrativa. Os horrores da guerra fizeram com que o mendigo perdesse sua memória. A tristeza expressa nos semblantes, olhares, gestos e diálogos de Thérèse e seu provável marido exigem do espectador aquela entrega contemplativa que atinge os sentimentos de forma inexplicável. Afinal, todos temos memórias que não gostaríamos de relembrar. 

Uma tão longa ausência (Une aussi longue absence, França, 1961), de Henri Colpi. Com Alida Valli (Thérèse Langlois), Georges Wilson (O cantador), Charles Blavette (Fernand).

La Pointe Courte

O primeiro filme de Agnès Varda poderia ser considerado também o primeiro filme da nouvelle-vague francesa, pois apresenta os princípios estéticos e narrativos que marcaram o movimento a partir de 1959: atores não-profissionais; gravações em locações; cortes e movimentos de câmera que destoavam do cinema dominante, dito de qualidade; temas do cotidiano das comunidades. 

São apenas dois atores profissionais em cena. Philippe Noiret e Silvia Monforte. Eles interpretam um casal de namorados que visita a Pointe-Courte, pequena vila de pescadores no sul da França. Enquanto caminham pela vila, o casal discute a relação e outros temas inerentes à juventude, pessoas enamoradas que se confrontam com incertezas. Narrativas paralelas mostram o cotidiano dos moradores, simples e pobres pescadores que se dividem entre a labuta pela sobrevivência e os prazeres singelos dos dias que passam ao sabor do sol, do vento, do mar. 

A locação escolhida por Agnès Varda faz parte de suas memórias de infância, uma das praias que a cineasta frequentou e que revisita, em forma de reflexões, no belo documentário As praias de Agnès (2008). 

“As ruas da Pointe Courte, por onde eu adorava andar. Fotografava muito e fui descobrindo este bairro. Ouvia histórias de uns e outros, sobretudo as dos mais velhos. Queria usá-las para fazer algo, um filme. Parecia preparar um documentário, mas parte do filme era sobre um casal. A Silvia Monfort e o Philippe Noiret, que estreou neste filme, participaram generosamente nesta experiência cinematográfica. Tinha pensado numa certa estrutura, um projeto de dois filmes misturados por capítulos alternados, como num romance de Faulkner que me impressionou, Palmeiras Bravas. Iria, portanto, alternar as sequências dos pescadores com as do casal. Duas narrativas, cujo único ponto em comum era o local: Pointe Courte. Ela descobriu onde ele nasceu. Ele mostrou-lhe as casas, as ruelas.” – Agnès Varda. 

La Pointe-Courte (França, 1954), de Agnès Varda. Com  Philippe Noiret (Lui), Silvia Monforte (Elle).