A religiosa

O filme é uma ousada adaptação do romance de Denis Diderot, acompanhando a jornada de Suzanne, jovem que é forçada pelos pais a fazer os votos de freira e viver enclausurada no convento. Alguns textos, inseridos no início da narrativa, contextualizam a vida monástica no século XVIII. As famílias aristocráticas pagavam para confinar as filhas nos conventos até o casamento, as que não conseguiam o matrimônio viviam enclausuradas o resto da vida. As Madres Superioras eram indicadas devido ao título de nobreza, ou seja, as que pagavam mais eram as responsáveis pelas outras religiosas. Diderot baseou seu romance em pessoas reais, a protagonista Suzanne é inspirada na vida de Marguerite Delamare, cujo pai a enviou para um convento quando tinha três anos. Na vida adulta, ela apelou, tentando reverter seu votos, mas perdeu legalmente e viveu na clausura até a morte. 

Jacques Rivette transforma esta história em uma triste e cruel jornada. Suzanne, que luta incessantemente para sair do convento, sofre torturas impingidas pela Madre Superiora e pelas outras freiras, que a acusam de estar possuída pelo demônio. Suzanne perde o julgamento e é obrigada a seguir com sua vida de freira, mas muda de convento, onde passa a sofrer com as investidas da Madre Superiora, que nutre por ela uma paixão avassaladora. 

O que fica da história é a crueldade, o sadismo praticado atrás dos muros dos conventos, onde a lei praticamente não tinha jurisdição. A sociedade paternalista também soltava suas garras sádicas sobre as mulheres para continuar vivendo na repulsiva farsa da nobreza. Jacques Rivette não poupa ninguém em suas críticas, nem mesmo Suzanne, a tragédia a acompanha dia-a-dia em sua luta pela liberdade.  

A religiosa (La religieuse, França, 1966), de Jacques Rivette. Com Anna Karina (Suzanne), Liselotte Pulver (Madame de Chelles), Micheline Presle (Madame de Moni), Francisco Rabal (Dom Morel). 

A tortura do medo

O filme quase acabou com a carreira do influente Michael Powell (Sapatinhos vermelhos). A crítica e a sociedade não aceitaram o tema e o tratamento visual ousado: através do ponto de vista subjetivo, o espectador se vê diante do terror. 

Lewis Mark é um cameraman assistente em um estúdio de cinema. Logo na primeira sequência, o espectador acompanha, pela lente de sua câmera cinematográfica, o assassinato de uma prostituta. Na abertura, Michael Powell apresenta um psicopata que filma seus assassinatos. Desejos sexuais, traumas de infância, a incontrolável ânsia de matar, cena a cena Mark revela sua mente atormentada, com uma surpresa nos momentos finais. Martin Scorsese declarou que A tortura do medo é “um dos grandes filmes sobre cinema.”

“Talvez tenham sido as motivações ambíguas do personagem que afastaram as plateias, ou talvez o fato de que um diretor tão querido quanto Powell tivesse voltado seus olhos para um tema tão sinistro e surpreendente. Mas também poderia ter sido o fato de que está sutilmente implícito que o espectador, um colega voyeur, é de certa forma um cúmplice de Mark em seus feitos mortíferos, ao se sentir atraído por suas atrocidades perversas e por estar, de certa forma, permitindo que aconteçam.”

A tortura do medo (Peping Tom, Inglaterra, 1960), de Michael Powell. Com Karlheinz Bohm (Mark Lewis), Anna Massey (Helen Stephens), Moira Shearer (Vivian), Maxine Audley (Mrs Stephens). 

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.