
O filme abre com o casal Harry Graham e Eve em uma entrevista para adoção de uma criança. Estão na faixa dos quarenta anos, são profissionais de sucesso e a adoção é o sonho da esposa. Harry reluta, mostra-se apreensivo, reticente, Edmund Gwenn, o entrevistador remarca a entrevista e, perspicaz como um detetive, passa a investigar Harry. A descoberta não tarda a acontecer. Harry viaja muito a trabalho e, certo dia, ao abrir a porta de sua outra residência, se depara com Edmund. O som de uma criança recém nascida ressoa ao fundo e Phyllis entra em cena.
O título já revela ao espectador o tema da trama, portanto, não é surpresa a descoberta. A partir desse momento, O bígamo se transforma em um profundo estudo de personagens. Em flash back, Harry conta como conheceu Phyllis e a engravidou. Narrativa paralela revela o crescente distanciamento que vive com a esposa original, motivado, em grande parte, pelos anos de casamento, pela dedicação à vida profissional, a rotina e o tempo que transformam inúmeros casais em apenas amigos.
O trunfo do filme é a dissecação dolorosa das escolhas de Harry, sua paixão por Phyllis, seu respeito pelo longo casamento, um remorso lento e diário que corrói sua integridade. Ida Lupino não escolhe julgar Harry, nem suas esposas, coloca em pauta a complexidade da alma humana, os erros inerentes à condição de existir, de se entregar a momentos ternos como a troca de um olhar em um parque. Espero que, nem mesmo o espectador, se sinta capaz de julgar nem um dos personagens.
O bígamo (The bigamist, EUA, 1953), de Ida Lupino. Com Joan Fontaine (Eva Graham), Ida Lupino (Phyllis Martin), Edmond O’Brien (Harry Graham), Edmund Gwenn (Sr. Jordan).