Paisá

Paisà (Itália, 1946), de Roberto Rossellini, retrata, em seis episódios, os últimos momentos da guerra, destacando os horrores cometidos pelos nazistas e a ocupação americana na Itália.

  1. Na Sicília, um soldado americano é encarregado de ficar de vigília em uma caverna. Na mesma caverna está escondida uma jovem da aldeia e os dois não conseguem se comunicar.  O fim trágico deles é uma dolorosa abordagem da crueldade da guerra, que dá fim de forma abrupta e repentina à solidariedade e esperança de jovens que não se entendem e não entendem os motivos de estarem ali. 
  2. Este episódio aborda, ao mesmo tempo, a miséria que toma conta de uma sociedade que vive nos escombros da guerra e as questões raciais. Um soldado negro perambula bêbado por Nápoles, com a ajuda de um garoto. Em determinado momento, o garoto avisa: “Não durma, senão vou roubar suas botas.” É o que acontece. Dias depois o soldado revê o garoto e o persegue, exigindo suas botas de volta. Quando o soldado se vê diante da miséria na qual o menino vive, lembranças de sua infância, talvez em um gueto, marcada também pela miséria e pelo preconceito racial, vêm à tona. 
  3. Em Roma, uma prostitua leva um soldado americano bêbado para seu quarto. Ele não consegue se relacionar com ela e diz em determinado momento: “Roma está cheia de garotas como você. Era diferente quando chegamos. As moças estavam felizes, sorridentes.” Ele conta, então, sua história com a jovem Francesca, por quem se enamorou, sendo correspondido. O soldado não se lembra, mas Francesa é a prostituta que tenta seduzi-lo agora. Este curta evidencia outra espécie de crueldade da guerra: a impossibilidade dos relacionamentos amorosos durante conflitos que não apontam para um amanhã e o triste e cruel destino das mulheres durante a guerra. 
  4. Florença. Uma mulher atravessa a cidade, procurando seu marido que luta com a resistência. Um soldado americano tenta ajudá-lo e os dois atravessam barricadas e regiões da cidade que se encontram em confrontos, com tiros e explosões acontecendo a todo momento. No fim, o que resta é o sentimento de inutilidade de ajudar um ao outro em meio a tiros que não poupam ninguém. 
  5. Em um monastério secular, na chamada linha gótica,  um grupo de padres vive em orações, agradecendo por terem sido poupados da guerra. Três capelães americanos chegam ao convento, deslumbrados com a imponência da arquitetura do lugar, construído “quando a América ainda não tinha sido descoberta.” Os capelães são convidados para jantar, mas não há comida para todos. O relacionamento durante esta noite envereda para as diferenças ideológicas, espirituais e raciais. Quando os padres descobrem que um dos capelães é judeus, o medo se instaura entre eles. Nesta história, não há ações no front de batalhas, tudo fica por conta do terror psicológico, do preconceito que motivou uma das maiores tragédias da história da humanidade.  
  6. Muitos críticos e teóricos apontam este episódio como o mais neorrealista de todos os filmes de Roberto Rossellini. Começa com um cadáver sendo levado pela correnteza sustentando por uma boia onde está escrito: partisan. Nas margens, soldados americanos, mulheres e crianças veem o cadáver se afastar. Os membros da resistência estão escondidos nos juncos e resolvem arriscar a vida para buscar o amigo. Outras duas sequências aterradoras compõem essa história de crueldade desmedida. Um menino de cerca de três anos chora em meio aos cadáveres de aldeões executados pelos nazistas por ajudarem a resistência. Os alemães capturam os soldados americanos e membros da resistência. Os americanos são prisioneiros de guerra, os membros da resistência não. Eles são enfileirados na borda de um barco com as mãos amarradas. São empurrados um a um para dentro do rio. É a realidade, nada mais do que a realidade.

Notícias de casa

Notícias de casa (News from home, França, 1976), de Chantal Akerman.

No início de sua carreira, Chantal Akerman morou em Nova York. Ela abandonou a faculdade de cinema logo no primeiro período para seguir um rumo experimental, retratando em seus primeiros filmes sua própria vivência. Em Hotel Monterey, Chantal explora os ambientes fechados onde morou por algum tempo. Em Notícias de casa, a diretora leva a câmera para fora, registrando a cidade de Nova York. Em ambas as películas, percebe-se o sentimento de solidão e melancolia que marcou a diretora em sua passagem pelos Estados Unidos. 

As imagens da cidade, grande personagem do filme, são acompanhadas de cartas de sua mãe, lidas pela própria Chantal. As cartas tratam de banalidades, falam de dinheiro enviado pela mãe, da imensa saudade, sugere os cuidados de sempre das mães. O documentário se entrega ao experimentalismo, deixando Nova York se expressar livremente. 

“Apesar de inicialmente se tratar de um filme “difícil”, dado seu reduzido material narrativo, “Notícias de Casa”, de Chantal Akerman, consegue comunicar. Num primeiro nível, funcionando como uma espécie de exposição fotográfica, formada por registros de paisagens um tanto desoladoras da Nova York dos anos 1970. Cenas cotidianas de uma cidade totalmente desglamourizada, que evocam uma decadência típica das grandes metrópoles. Há uma segunda camada comunicacional, com o olhar cinéfilo em parte formado pelos filmes da Nova Hollywood. Neles, a Nova York suja e violenta desse período é personagem corriqueiro. É a cidade de “Caminhos Perigosos” (1973), “Taxi Driver” (1976), “Serpico” (1973), “Um Dia de Cão” (1975) e tantos outros, reconstruída recentemente em “Coringa” (2019). O imaginário povoado por esse cinema, aliás, alimenta no espectador certo receio de que algo de ruim aconteça com Chantal Akerman e sua equipe em algum momento de “Notícias de Casa”, enquanto trafegam por ruas e vagões de metrô com uma câmera na mão. Mas a vida em grandes cidades costuma ser muito mais multifacetada que a imagem pública associada a elas. Os males que acometem Akerman são outros: a solidão e o tédio, impressos nas imagens do filme, e principalmente a relação de simultâneas saudade e rejeição da família, que se encontra distante, na Bélgica.” – Wallace Andrioli (Plano Aberto).

Hotel Monterey

Difícil classificar Hotel Monterey (EUA, 1973), de Chantal Akerman. Documentário, ficção, experimentalismo puro. A câmera passeia pelos corredores, quartos, recepção e demais dependências do hotel acompanhada do silêncio, nem mesmo trilha sonora. Pessoas passam ao fundo, saem do quarto, entram em outro, até mesmo paredes são focos para o filme.

Para seu primeiro longa-metragem, Chantal Akerman escolheu como locação o barato hotel onde morou por quatro semanas, em Nova York. Foram apenas duas pessoas na equipe: Chantal e Babette Mangolte, diretora de fotografia. Planejaram apenas um dia de filmagem e acabaram concluindo o trabalho em uma tarde. 

O estilo destaca os enquadramentos estáticos, com poucos movimentos de câmera, quase como se fosse mais uma câmera fotográfica registrando os ambientes. Em um ou outro relance, percebe-se, por janelas, o exterior. A experiência de Chantal Akerman exige a entrega do espectador ao magnetismo das imagens, do cinema.