Hiroshima

Hiroshima (Japão, 1953), de Hideo Sekigawa. Com Isuzu Yamada, Eiji Okada, Yumeji Tsukioka, Yoshi Katô. 

Estudantes em uma sala de aula, em Hiroshima, escutam uma gravação radiofônica: “Às 2h45 do dia 6 de agosto de 1945, três B-29 decolaram da ilha de Tinian. Uma bomba atômica prestes a explodir sobre os humanos pela primeira vez estava pendurada ameaçadoramente no compartimento de bombas do Enola Gay. A bomba carregava autógrafos e mensagens de zombaria ao imperador japonês…” Em determinado momento da narrativa, uma jovem pede em desespero que o professor desligue o aparelho. Ela desmaia na cadeira, do seu nariz escorre sangue. Ela é internada e diagnosticada com leucemia, uma das graves consequências da radiação da bomba que explodiu em Hiroshima. 

O clássico filme de Hideo Sekigawa esteve esquecido por décadas. Financiado por uma instituição de professores do Japão, Hiroshima foi considerada um afronto aos Estados Unidos pelo próprio governo japonês e, praticamente, não foi destruído nos cinemas. 

A narrativa pós-guerra dos efeitos da bomba, centrada no grupo de alunos que ajuda na reconstrução, se alterna com impressionantes cenas logo após a explosão da bomba. Foram usados 90.000 figurantes que tentam sobreviver em meios aos escombros. O estilo documental das filmagens espelha o realismo daquele dia, quando a cidade se transformou no verdadeiro inferno. Inferno provocado pelos humanos, pelos americanos.

Diário para meu pai e minha mãe

Diário para meu pai e minha mãe (Napló apámnak, anyámnak, Hungria, 1990), de Márta Mészáros. 

A última parte da trilogia autobiográfica de Márta Mészáros centra a narrativa na fracassada Revolução Húngara de 1956, quando civis tentaram derrubar o governo apoiado por Stálin. Julie está em Moscou e tenta a tudo custo voltar para Budapeste, Magda está foragida e Janos participa ativamente das atividades revolucionárias. Quando consegue voltar para seu país, Julie, já uma diretora de cinema, documenta as conturbadas ruas de Budapeste e inicia um romance com outro diretor de cinema. 

O estilo da película contínua na mescla de ficção e documentário, com amplo espaço para a repressão oficial do governo. Outro ponto forte é a luta pela liberdade artística, o cinema verdade dos documentários de Julie e seu namorado se contrapondo às manipulações da mídia governista. O final do filme, após a prisão e julgamento de Janos, é de uma verdade dolorosa, revelando a crueldade dos porões das ditaduras. Ficção também é documentário. 

Elenco: Com Zsuzsa Czinkóczi (Juli), Jan Nowicki (Janos), Mari Torocsik (Vera), Ildiko Bánsági (Ildi), Anna Polony (Magda). 

Diário para meus amores

Diário para meus amores (Napló szerelmeimnek, Hungria, 1987) é a segunda parte da trilogia autobiográfica de Márta Mészáros. Julie rompe com sua tia Magda, com quem vive em constantes conflitos, e vai morar em Moscou, onde ingressa na Universidade para estudar cinema. É o início dos anos 50, a guerra fria recrudesce e a União Soviética passa a controlar com mão de ferro o leste europeu. Na Hungria, Janos é considerado traidor do partido e preso, mesmo sendo amigo pessoal da poderosa Marta. 

O destaque da segunda parte é a ascensão dos ideais contra revolucionárias com os trabalhadores organizando movimentos e greves. A alter-ego de Márta Mészáros, Julie, começa a fazer documentários e se vê confrontada por professores e membros do partido devido a suas edições perigosas. 

Diário para meus amores mantém o estilo ficção/documentário, a montagem fascinante coloca personagens do filme como se estivessem participando de passeatas, comícios e greves. As lembrança de Julie, quando viveu com seus pais em Moscou, são belos momentos estéticos, com a fotografia em preto e branco, principalmente da pedreira onde o pai escultor trabalhava. As imagens trazem beleza a momentos dolorosos de despedida. 

Elenco: Zsuzsa Czinkóczi (Julie), Anna Polony (Magda), Jan Nowicki (Janos), Irina Kuberskaya (Anna Pavlova), Adél Kováts (Natasha), Gyula Bartus (Deszso). 

Diário para meus filhos

Diário para meus filhos (Napló gyermekeimnek, Hungria, 1984), de Márta Mészáros, é o primeiro filme da trilogia semi biográfica da diretora húngara, composta por Diário para meus amores (1987) e Diário para meu pai e minha mãe (1990). A atriz Zsuzsa Czinkóczi, interpreta Julie nas três obras. 

Em Diário para meus filhos, Julie é uma jovem adolescente que retorna a Budapeste após um tempo morando em Moscou. Sua mãe morreu vítima de uma doença e seu pai, um escultor, desapareceu nos porões do cruel regime stalinista.

Em Budapeste, Julie entra em conflito com Magda (Anna Polony), sua mãe adotiva, uma poderosa representante do partido comunista, mas encontra abrigo em Janos (Jan Nowicki), um antigo revolucionário descrente com os rumos do partido. Arredia à escola, a jovem passa suas tardes em salas de cinema.  

É a história de Márta Mészáros, cujas lembranças compõem o retrato do pós-guerra na Hungria, marcado pela ascensão do partido comunista que, passo a passo, rompe com os ideais dos revolucionários e se consolida como um cruel e despótico governo totalmente sobre o controle stalinista. A diretora mescla a narrativa com cenas documentais de comícios, passeatas, manifestações, oscilando entre a fotografia em cores e preto e branco. Diário para meus filhos conquistou o Grande Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes. 

Um dia de verão

Um dia de verão (Taiwan, 2020), de Wang Yan-ping. Com Min-Hsien Jen (Hsuan), Ting-Yi Lin (Chi), Chien-yu Chou (Yei). . 

O filme de graduação da diretora Wang Yan-ping se passa durante o verão. Três jovens dividem seu tempo entre os estudos, um parque de diversão e a piscina da cidade. Os irmãos Hsuan e Yei trabalham no parque, passam por pequenos conflitos, principalmente em relação à amiga deles, Chi. 

O foco central da trama é a amizade entre as duas jovens, até o momento em que Hsuan não consegue mais esconder sua paixão por Chi. A delicadeza, os olhares e gestos sutis, conduzem as revelações que provocam conflitos, como em todas as descobertas adolescentes. 

O castelo animado

O castelo animado (Japão, 2004), Hayao Miyazaki. 

Sophie é uma menina que trabalha em uma chapelaria. A Bruxa das Terras Devastadas entra na loja e lança uma maldição sobre Sophie: no dia seguinte, ela acorda como uma senhora de 90 anos. Em sua jornada para tentar quebrar o feitiço, em meio a dois reinos em guerra, a velha Sophie descobre um mundo fantástico, cruzando com personagens surreais: o espantalho Cabeça de Nabo que a segue aos pulos; a assustadora feiticeira Suliman; o jovem Markl; o mago Howl, que se transforma, como uma espécie de O médico e o monstro; e  Calcifer, labaredas de fogo que move o grande trunfo da animação: O castelo animado. 

“O Castelo Animado é algo inacreditável, uma daquelas criações audiovisuais que eu poderia ficar observando os detalhes por horas e horas a fio sem me cansar. Misturando estruturas de castelo, casa, aparências de seres biológicos e mais uma infinidade de partes móveis em um simulacro steampunk que maravilhosamente colide e combina com os cenários citadinos no estilo europeu do começo do século XX, o grande artifício chamativo do longa é um delicioso e triunfal Frankenstein tecnomágico de se tirar o chapéu.” – Ritter Fan (Plano Crítico).

Miyasaki usou como base o livro de fantasia homônimo de Diana Wynne Jones para construir uma trama antibelicista, uma forma de protesto contra a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. O diretor esperava que o filme fosse mal recebido nos EUA, mas acabou sendo indicado ao Oscar de Melhor Animação.

Túmulo dos vagalumes

Túmulo dos vagalumes (Japão, 1988), de Isao Takahata, é um dos animes mais tristes do Studio Ghibli. O filme é adaptado do conto semi-autobiográfico de Akiyuki Nosaka, que perdeu sua irmã durante a Segunda Guerra Mundial. O diretor Takahata, co-fundador do estúdio, também sofreu com os horrores da guerra, sobrevivendo a um bombardeio durante a infância. 

Os irmãos Seita e Setsuko tentam sobreviver aos últimos meses da guerra, quando o Japão sofre bombardeios constantes. A mãe morre em um desses ataques, o pai está lutando na guerra e os irmãos se refugiam nos arredores da cidade de Kobe. Lutam contra o abandono, a falta de moradia, a fome e a ameaça constante da morte. A poesia visual marca a narrativa, com cenas noturnas iluminadas pelos vagalumes, quando fantasmas observam a tragédia que acompanha o cotidiano de Seita e Setsuko em sua jornada pela sobrevivência.

A temática que salta aos olhos é a negligência do governo e da própria sociedade, deixando as crianças abandonadas nas ruas, a ponto de roubar alimentos (e serem punidas). Túmulo dos vagalumes é de estraçalhar o coração. 

Duas mulheres

Duas mulheres (Ők ketten, Hungria, 1977), de Márta Mészáros, acompanha a improvável amizade que se forma entre duas mulheres de diferentes gerações. Mari (Marina Vlady) é casada, tem dois filhos já adultos, e administra um albergue para mulheres. Juli (Lili Monori) tem uma filha ainda criança e sofre violência doméstica de seu marido alcoólatra. Ela se refugia no albergue, quebrando as regras, que não permite a entrada de crianças, mas se torna protegida de Mari.

A amizade entre Mari e Juli passa por momentos ternos e agressivos, evoluindo para descobertas mútuas e solidariedade. Enquanto Juli tenta se desligar de sua relação abusiva, Mari se descobre em um casamento infeliz e sem perspectivas e passa a flertar com a infidelidade e o alcoolismo.  

Márta Mészáros tece mais uma narrativa que revela a luta constante das mulheres húngaras em busca da libertação das amarras sociais. A filha de Julie é interpretada por Zsuzsa Czinkóczi que, nos anos 80, será a protagonista da aclamada trilogia autobiográfica de Márta Mészáros, composta por: Diário para meus filhos (1984), Diário para meus amores (1987) e Diário para meu pai e minha mãe (1990). 

Insônia

Insônia (Insomnia, EUA, 2002), de Christopher Nolan. 

Os detetivses Will Dormer (Al Pacino) e Hap Eckhart (Martin Donovan) chegam a uma cidade do Alaska para investigar o espancamento, seguido de assassinato, de uma jovem de 17 anos. São de Los Angeles e foram enviados para trabalhar no caso pois estão sob investigação da Corregedoria que pode resultar na destruição da reputação de Will. 

Os dois primeiros filmes de Christopher Nolan, Seguinte (1998) e Amnésia (2000), foram realizados de forma independente. Os filmes repercutiram na crítica e despertaram o interesse dos estúdios. Em seu terceiro filme, Nolan contou com um grande orçamento para filmar em locações no Alaska e reunir dois atores de peso nos papeis principais: Al Pacino e Robin Williams. 

Insônia é baseado no longa norueguês homônimo de 1997. A trama, com sequências de thriller dos gèneros suspense e policial, tem uma virada quando um tiroteio na neblina resulta em um assassinato acidental. É a entrada em cena do escritor Walter Finch (Robin Williams), assassino da adolescente. A partir daí, a trama envereda para um jogo entre policial e assassino, envolvendo chantagem, embates psicológicos e conflitos éticos.  

Passo a passo, a mente turva de Will, pois ele passa dias sem dormir na cidade que nunca anoitece (o sol da meia noite) o enredam em uma perigosa trama envolvendo consciência profissional e necessidade de preservar a sua reputação.

Adoção

Adoção (Örökbefogadás, Hungria, 1975), de Márta Mészáros.

Kate (Katalin Berek) é uma operária que, aos 42 anos, sente desejo de ter um filho com seu amante casado, pai de dois filhos. Diante da recusa do amante, ela passa a considerar a ideia de adoção, principalmente depois que conhece Anna (Gyongyver Vigh), uma adolescente que vive em um orfanato. 

Adoção é o primeiro filme dirigido por uma mulher a conquistar o Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim. Márta Mészáros, cuja grande marca temática em sua obra é o feminismo, aborda com leveza o tema da maternidade. A relação entre Kate e Anna é fascinante, composta por ternura, às vezes uma certa agressividade verbal e recusa, mas sempre com esse olhar intimista das mulheres sobre si mesmas. 

A ousadia do cinema da diretora húngara se mostra durante a trama. Anna leva seu namorado, também adolescente, para a casa de Kate, onde se trancam no quarto explorando a sensualidade e o erotismo. São dois adolescentes em belas cenas eróticas que, com certeza, não teriam espaço no cinema atual.