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Sobre Robertson B. Mayrink

Publicitário, jornalista, especialista em língua portuguesa, mestre em cinema pela EBA/UFMG. Professor de cinema e de criação publicitária. Coordenador do curso de Cinema e Audiovisual da PUC Minas. Coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da PUC Minas. Coordenador da especialização em Roteiro para Cinema e TV do IEC PUC Minas.

Jogo sujo

Jogo sujo (The skin game, Inglaterra, 1931), de Alfred Hitchcock, é adaptação de uma peça de teatro de John Galsworthy.  Duas famílias se enfrentam em uma província do interior da Inglaterra pelo domínio de terras. O senhor Hornblower é um arrojado empreendedor, representante da emergente burguesia industrial. O senhor Hillcrest representa as famílias de fazendeiros, ainda com o prazer de contemplar suas terras sentados nas varandas de suas suntuosas mansões.  

Quando Hornblower anuncia que vai comprar uma fazenda em frente a propriedade de Hillcrest, para construir uma fábrica, o fazendeiro tem a visão das chaminés em frente à sua janela e decide impedir a venda. O jogo sujo do título do filme anuncia as perigosas, anti-éticas e, até mesmo, violentas, artimanhas que cada um dos rivais articula para atingir seu objetivo. 

Esse jogo ultrapassa todos os limites quando entra em cena um homem que conhece o obscuro passado de Chloe, esposa do filho de Hornblower. A vida de Chlore se transforma em um joguete nas mãos desses poderosos que não medem escrúpulos na disputa, colocando em risco a dignidade e a inocente vida de uma pessoa (ou duas).

Hitchcock, aclamado como mestre do suspense, possuía o raro talento de colocar o espectador em agonia até mesmo em situações improváveis para isso. A longa  sequência do leilão, quando os rivais fazem lances para adquirir a pretendida propriedade, é puro suspense. Closes, trocas de olhares, gestos entre os agentes, a intervenção verbal do leiloeiro, expressões às vezes contidas, outras exasperadas dos dois inimigos – a linguagem audiovisual em sua perfeita composição, transformam o leilão em um thriller inesperado. 

Elenco: Jill Esmond (Jill Hillcrest), Edmund Gwenn (Mr. Hornblower), C. V. France (Mr. Hillcrest), Helen Haye (Mrs. Hillcrest), John Longden (Charles Hornblower), Phyllis Konstam (Chloe Hornblower), Frank Lawton (Ralf Hornblower), Edward Chapman (Dawker).

Champagne

Champagne (Inglaterra, 1928), de Alfred Hitchcock. 

“O que filmei depois de A mulher do fazendeiro?”

“Foi Champagne.”

“Isso é provavelmente o que há de pior na minha produção.”

“Acho-o injusto, porque tive prazer em assistir ao filme; lembra muito as cenas de comédia dos filmes de Griffith, é muito vivo…

“Mas não há história.”

Esse diálogo entre Alfred Hitchcock e François Truffaut, expresso naquele que é um dos melhores livros sobre cinema de todos os tempos, Hitchcock/Truffaut Entrevistas, diz o necessário sobre essa obra menor do autor. 

A ideia de Hitchcock era filmar uma moça que trabalhava em Reims e seguia o transporte de caixas de champagne por trem, depois para os bares onde seria consumida, sem nunca conseguir provar a bebida. 

No filme produzido, Betty (Betty Balfour) é uma jovem milionária que faz um ousado voo pelo pacífico para se encontrar com seu amado em um transatlântico. O pai de Betty, cuja imensa fortuna vem da comercialização de Champagne, é contra o relacionamento e arquiteta situações para separar os dois. Na segunda metade do filme, após a crise da bolsa de valores, o pai possivelmente perde a fortuna e Betty tem que trabalhar em uma boate servindo e incentivando os frequentadores a beber… Champagne.

As insossas situações cômicas se sucedem, amparadas até mesmo por um possível triângulo amoroso, sugerido quando Betty entra no navio. “A gag que mais me agradava em Champagne era o bêbado que cambaleava para lá e para cá quando o barco parecia estável, ao passo que, quando o barco estava jogando com o balanço e a arfagem, todos andavam de banda, mas ele andava reto.” – Hitchcock.

A segunda parte do filme se passa em Paris, acompanhando as tentativas de Betty de conquistar definitivamente seu amor, enquanto esbanja dinheiro sem pudor. A sequência da festa no apartamento, quando ela experimenta vários vestidos de luxo e termina por vestir a roupa de sua empregada para provocar, é mais um exemplo da expertise de Hitchcock em narrar por meio de soluções visuais: pouco depois, Betty fica sabendo que está sem dinheiro algum, devido a falência do pai.

Elenco: Betty Balfour, Jean Brandin, Ferdinand von Alten, Gordon Harker.

Referência: Hitchcock Truffaut. Entrevistas. Edição definitiva. François Truffaut e Helen Scott. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Entre a lei e o coração

Entre a lei e o coração (The manxman, Inglaterra, 1929) é o último filme da fase do cinema mudo de Alfred Hitchcock. A história, baseada em romance de Hall Caine,  acompanha a formação de um triângulo amoroso entre três amigos de infância, residentes na Ilha de Man.

Pete, um pescador de arenque, cresceu junto com Philip, um advogado com uma carreira promissora. A forte amizade entre eles se manifesta também em lutas por causas sociais, como a tentativa de proteger os pescadores da ilha, ameaçados pelo progresso: a invasão de traineiras a vapor nas zonas de pesca. 

Pete mantém um namoro sigiloso com Kate, filha do proprietário da estalagem local. Renegado pelo pai de Kate, Pete embarca em um navio para a África, em busca de fortuna. Durante sua longa ausência, Kate e Philip se enamoram e se sentem livres no relacionamento quando chega a notícia de que Pete morreu em um naufrágio. 

A melodramática história de Hitchcock ganha contornos trágicos quando Pete reaparece, agora rico. Um forte dilema moral toma conta de Philip, que ocupa o cargo de juiz, exercendo sua profissão com nobreza. A frase que abre a narrativa representa esse conflito moral: “De que adiantaria para um homem ganhar o mundo inteiro em troca da própria alma?”

O destaque da trama é Kate, mais uma forte personagem feminina do diretor inglês. Ela se casa com Pete, mas mantém seu amor adúltero por Philip. Kate sente remorsos, mas não aceita abrir mão de seu destino com o juiz e toma a corajosa decisão de “revelar seu segredo”.

O jovem Hitchcock já era um mestre imagético. Basta atentar para a cena em que Kate aperta as mãos de Pete e Philip e abre um sorriso expansivo em um close repleto de significados: ela não solta as mãos dos dois amigos, olhando para eles ao mesmo tempo com a bela expressão indefinida das mulheres apaixonadas.  

Alfred Hitchcock foi um dos grandes diretores que começou no cinema mudo e passou ao sonoro mantendo a potência narrativa das imagens, integradas em harmonia com as possibilidades sonoras. Sobre o mestre, François Truffaut declarou: 

“Se da noite para o dia, o cinema não precisasse de som, e voltasse a ser uma arte silenciosa, muitos diretores ficariam sem emprego. Mas, entre os sobreviventes, estaria Alfred Hitchcock. E todos perceberiam, finalmente, quem é o maior diretor do mundo.”

A mulher do fazendeiro

A mulher do fazendeiro (The farmers wife, Inglaterra, 1928), de Alfred Hitchcock, é adaptação de uma peça teatral intitulada Laquell des trois? O início do filme demonstra a perícia de Hitchcock em buscar soluções cinematográficas não compatíveis com a encenação teatral. 

O fazendeiro Sweetland (Jameson Thomas) está na janela do segundo andar de seu sobrado. Tem um semblante melancólico e pensativo. Seu empregado caminha no jardim em frente e se volta para Sweetland, que faz um gesto negativo com a cabeça. A impressão é a de um homem em estado de contemplação de sua propriedade, no entanto, o plano seguinte acompanha o fazendeiro se voltando para dentro do quarto. A cena mostra um grupo de mulheres chorosas e entristecidas ao lado da mulher do fazendeiro, na cama. É o momento de sua viuvez. 

Passado um tempo de luto, Sweetland, com medo da solidão, decide se casar de novo. Minta (Lillian Hall-Davis), sua dedicada e bela empregada, que prometeu à esposa, no momento da morte dela, “cuidar das ceroulas do patrão”, se dispõe a ajudá-lo. Ela faz uma lista de possíveis pretendentes, chegando a três nomes.

A incursão de Hitchcock pela comédia rende uma sucessão de gags, marcadas pelos momentos nos quais o fazendeiro faz o pedido às mulheres. Todas recusam com hilários comportamentos, com destaque para o ataque histérico de Mary (Olga). O atrapalhado empregado também rende situações engraçadas, principalmente na longa sequência da festa na casa de uma das pretendentes. Enquanto isso, Minta, sempre com o olhar apaixonado, espera (atenção para as simbólicas cenas das duas cadeiras dispostas em frente à lareira e a revelação puramente visual).

O filme traz um detalhe ímpar na carreira de Hitchcock: ele mesmo fez a fotografia após o adoecimento do diretor responsável pelo trabalho. Inseguro, o mestre do suspense fazia um teste para cada plano e, enquanto esperava a revelação, repetia a cena. 

The ring

The ring (Inglaterra, 1927), de Alfred Hitchcock. 

Alfred Hitchcock considerava o ringue seu segundo filme “hitchcockiano”, depois de O inquilino (1927). O diretor se refere ao seu estilo marcado por soluções visuais e inovações técnicas. 

“Havia ali todo tipo de inovações e me lembro de que uma cena de montagem bastante elaborada foi aplaudida na estreia do filme. Era a primeira vez que isso me acontecia. Havia as coisas mais variadas que hoje ninguém mais faria; por exemplo, uma festinha, numa noite, depois de uma luta de boxe. Serve-se champanhe nas taças e vê-se muito bem o champanhe borbulhando, e todas as bolhas… Faz-se um brinde à heroína e se percebe que ela não está lá: desapareceu com outro homem. Então o champanhe pára de borbulhar.”

A narrativa, marcada por um triângulo amoroso, apresenta outra marca do diretor: as ousadas insinuações eróticas e sexuais. Betty (Lillian Hall-Davis) está de casamento marcado com o boxeador de um parque de diversões, One Round Jack (Carl Bresson). Bob Corby (Ian Hunter), campeão australiano de pesos pesados, convida Jack para ser seu sparrow durante os treinos e também se apaixona pela jovem. 

Depois do casamento, à medida que Jack progride na carreira de lutador, se vê em conflito, pois claramente sua esposa mantém um caso extra-conjugal com Bob. A ousadia da jovem protagonista, em forte dimensão feminista, é representada por sugestões visuais: ela não tira o bracelete que ganhou de Bob do braço, nem mesmo perto do marido, e, em cima de seu piano, na sala de estar, há uma foto do campeão australiano. 

“Era uma boa ideia, e havia muitas outras, achados visuais e simbólicos. Todo o filme era uma história de adultério, com uma profusão de alusões ao pecado original. Não esqueci os múltiplos usos do bracelete que representava uma serpente.” – François Truffaut

Referência: Hitchcock Truffaut. Entrevistas. Edição definitiva. François Truffaut e Helen Scott. São Paulo: Companhia das Letras, 2004

A colheita

A colheita (Harvest, Inglaterra, 2024), da diretora Athina Rachel Tsangari, é baseado no romance de Jim Crace. A história se passa em um período indefinido da idade média, na Inglaterra, em uma pequena área agrícola onde os camponeses vivem dos frutos da terra.  Walter Thirsk (Caleb Landry), narrador da história, presencia e reflete sobre o fim de um tempo, quando as atividades agrícolas deram lugar à privatização das terras e exploração pelos futuros latifundiários. 

A narrativa se passa praticamente em sete dias, contados a partir do momento que dois invasores são presos no pelourinho e devem cumprir a pena de uma semana. Nesse período, a colônia é tomada por incendiários, um mapeador que delimita as terras para fins políticos e econômicos, líderes da cidade que chegam para exercer seu direito à propriedade, rituais pagãos de colheita, denúncias de bruxaria, mortes e devastação. 

A direção de fotografia de Sean Price Williams destaca, na primeira parte, a beleza harmônica do convívio com a natureza dos camponeses. À medida que o horror se anuncia, o amarelo agressivo do fogo, o tom do cobre e as sombras da noite tomam conta da estética, anunciando o final lúgubre imposto pelo cruel capitalismo.    

Elenco: Caleb Landry Jones, Harry Melling, Rosy McEwen, Arinzé Kene, Thalissa Teixeira, Frank Dillane.

Conheço bem essa moça

Conheço bem essa moça (Io la conoscevo bene, Itália, 1965), de Antonio Pietrangeli.

Adriana (Stefania Sandrelli), uma jovem interiorana da província de Pistoia, passa os dias de bem com a vida, se divertindo de forma irreverente com os amigos e se entregando, sem restrições morais ou sociais, a seus namorados. Até mesmo quando é abandonada por um deles no hotel e se vê sem dinheiro para pagar a conta, Adriana encara a situação com indiferença e bom humor. Assim como tantas jovens fascinadas pelo cinema, ela se muda para Roma e tenta a carreira de atriz. 

Conheço bem essa moça é o último filme de Antonio Pietrangeli, que faleceu em 1968, aos 49 anos. O diretor trata com sensibilidade um tema recorrente na vida das jovens que se aventuram no mundo do cinema: a exploração física e psicológica a que são submetidas pelos homens desse mercado, incluindo produtores, atores e diretores. 

Adriana, em interpretação soberba de Stefania Sandrelli, encara tudo isso com uma ingênua e alegre desfaçatez, mesmo sabendo que não passa de um instrumento sexual, prática comum e repulsiva nas áreas de cinema, moda e publicidade da época. Seu gesto final, inesperado e violento, reflete as contradições perigosas entre a vida exterior e a interior. 

Os noivos

Os noivos (I fidanzati, Itália, 1963), de Ermanno Olmi.  

A abertura do filme é uma fascinante experiência visual. Um grupo de cidadãos entra em um salão de dança. Os músicos preparam seus instrumentos. Começam a tocar. Lentamente, homens e mulheres começam a dançar aos pares, em movimentos graciosos. Giovanni (Carlo Cabrini) e Liliana (Anna Canzi) estão sentados, olhando em silêncio para os dançantes. Têm as feições entristecidas, principalmente Liliana, que denota um semblante choroso. 

Cortes entre o salão de dança e a fábrica onde Giovanni trabalha anunciam o conflito entre o casal: Giovanni recebe uma proposta vantajosa para passar um ano e meio na Sicília, trabalhando na implantação da nova fábrica da empresa. 

O diretor Ermanno Olmi, aclamado por A árvore dos tamancos (1978) é um poeta das imagens. Os noivos transcorre de forma lenta, com imagens simbólicas de Giovanni na nova cidade, sozinho nas pensões onde mora, frequentando bares, na praia onde se entrega a um novo relacionamento, nas festas carnavalescas de rua. A música tema do início do filme pontua sua solidão, como a lembrar sempre da noiva em Milão. 

O estilo documental da câmera revela as referências do diretor: “Em uma conversa com Pasolini, estávamos discutindo o valor de um cinema que, como posso dizer, é tão próximo da realidade a ponto de se tornar nossa visão da realidade. Em outras palavras, reconhecemos o mundo em que vivemos através do cinema. O primeiro surto de inspiração com qualquer profundidade de valor cinematográfico foi com Rossellini. Os filmes de Rossellini me fascinavam porque você podia ver no cinema aquilo que você via nas ruas, na vida real. Naquela hora, eu não totalmente consciente, tive a intuição de que o cinema poderia ser uma forma de enxergar a realidade, não com a intenção de escapar da realidade, mas como sugestão de uma chave para entendê-la.”

A história de Giovanni e Liliana é pautada pela realidade da Itália que adentra a modernidade. As indústrias do norte invadem o sul agrícola, provocando uma ruptura cultural, nas tradições, nos valores morais, da Sicília conservadora. O princípio da modernidade também é a marca do novo cinema dos anos 60. Ermano Olmi comenta sua opção por uma estrutura inovadora.

“Quando fiz O emprega (1961) lembro que havia uma garota na edição. Eu ainda não me sentia preparado para a responsabilidade de editar um filme e eu disse para ela: ‘quando contamos a história dos trabalhadores em casa vamos apenas manter alguns planos deles em suas casas’. Ela contrapôs: ‘O espectador não entenderia.’ Então eu tinha que aceitar um mínimo de compromisso que me deixava insatisfeito. Com Os noivos, antes mesmo de começar a filmar, decidi utilizar o presente e um possível futuro. Quando os noivos trocam cartas de amor no final, isso não é o passado. É como eles se veem, projetado num futuro no qual eles se apaixonam novamente e dançam mais uma vez como noivos. Naquele ponto eu percebi que não podia mais me submeter a um estilo de edição convencional. Eu deveria intervir pessoalmente. Em Os noivos, por ter uma terceira dimensão temporal, que não é o presente, mas uma dilatação do presente no passado e no futuro, a música é uma ressonância interior. O tema musical da dança fica tocando na cabeça dele. Para nós, as memórias costumam vir acompanhadas de música.”

A s cenas de leitura das cartas, entrecortadas por imagens solitárias de Liliana e Giovanni, são muito mais do que sugestões de um passado ou um possível futuro: são palavras, frases, imagens e música que irrompem, deixando o espectador entregue a esse cinema poético.

O mafioso

O mafioso (Mafioso, Itália, 1962), de Alberto Lattuada.

Nino Badalamenti (Alberto Sordi), um funcionário exemplar de uma fábrica em Milão, é casado com Marta Badalamenti (Norma Bengell). O casal tem duas filhas e, durante as férias, todos embarcam para conhecer a adorada terra natal de Nino: a Sicília. O entusiasmo de Nino apresentando para a família as paisagens, o mar, as ruelas da cidade e os campos que percorreu quando criança é contagiante. 

O tom de comédia da primeira parte do filme é determinado pelas relações de Nino com sua família, formada pelos pais, irmã, tios, primos, primas; a autêntica e extravagante família siciliana. A princípio, a sensação de estranheza entre Marta, uma moderna jovem do norte, e a tradicional sociedade do sul, é recíproca. Tudo vai bem, apesar dos pequenos conflitos, até que Don Vincenzo (Ugo Attanasio),  o mafioso do título, entra em cena e transforma o idílio de Nino em um pesadelo. 

O diretor Alberto Lattuada, um dos ícones do neorrealismo italiano, começa o filme como uma tradicional commedia all’italiana e termina como um thriller de gangsters. Quando Nino é incumbido de uma missão misteriosa, o tom sombrio toma conta da narrativa, terminando em uma impensável ação praticada pelo pacato operário. A sequência dentro da barbearia em Nova York é um prenúncio da espetacular ação de Michael Corleone (O poderoso chefão, 1972) no restaurante. 

Hot milk

Hot milk (Inglaterra, 2025), de Rebecca Lenkiewicz.

O primeiro longa-metragem da roteirista e diretora Rebecca Lenkiewicz é um convite à sensualidade. A jovem Sofia (Emma Mackey) acompanha Rosi (Fiona Shaw), sua mãe, em uma temporada em Almería, Espanha. Rosi sofre com uma doença que a impede de caminhar e depende da filha. Elas estão na cidade para um tratamento com o Dr. Gómez (Vincent Perez), espécie de curandeiro místico que tenta descobrir as causas psicossomáticas para a doença de Rosi. 

O tema central do filme, baseado no romance de Deborah Levy , é a dependência, principalmente psicológica, entre mãe e filha: para cuidar da mãe, Sofia desiste de cursar seu doutorado em Antropologia. Tudo muda para Sofia quando ela conhece Ingrid (Vicky Krieps), mulher que se relaciona livremente com homens e mulheres.

Traumas obscuros do passado podem ser determinantes no relacionamento entre as três mulheres. Enquanto Sofia e Ingrid se entregam à paixão no sol da Almería, Rosi afunda cada vez mais em sua entrega psicológica e física. A cena final, determinada por uma instigante elipse de enquadramento, deixa tudo em aberto, como nos meandros da mente.