Jeanne Dielman

Em 2022, a respeitada Revista Sight & Sound atualizou a lista dos 100 melhores filmes da história (publicada de dez em dez anos). Jeanne Dielman (Jeanne Dielman, 23 Quai Du Commerce, 1080, Bruxelles, Bélgica/França, 1975), a obra prima de Chantal Akerman assumiu o topo da lista. 

O filme tem mais de três horas de duração e acompanha três dias na vida da protagonista. Jeanne (Delphine Seyrig) mora com o filho adolescente e, para o sustento, recebe homens durante o dia em seu apartamento. Prepare-se para uma imersão na vida cotidiana: a câmera sempre estática, à distância e ligeiramente baixa (a lá Ozu) acompanha as tarefas da dona de casa na cozinha, na mesa de jantar, tomando banho, limpando o banheiro. Tudo em longos planos, quase sem cortes. É um filme silencioso e perturbador pela duração das cenas. No final, um ato inesperado encerra essa trama sem trama, um primor estético e de linguagem do cinema não-narrativo. 

“Por mais difícil que seja o filme, traz recompensas consideráveis que estão, muitas vezes, inexoravelmente ligadas à sua duração. Por um lado, a tese feminista de Akerman é transmitida com urgência por conta de sua decisão de mostrar a vida de Jeanne em seus mínimos detalhes. Não basta para Akerman sugerir o tédio da existência abnegada de sua protagonista – em vez disso, ao apresentar explicitamente sua insípida rotina em tempo real, Akerman habilmente transmite o vazio sufocante que, no final das contas, é o que impulsiona Jeanne em direção a seu trágico ato final.”

Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

A amiga de minha amiga

La amiga de mi amiga (Espanha, 2022), de Zaida Carmona, é uma representação do amor livre entre mulheres. Zaida, jovem roteirista, termina com sua namorada e volta para Barcelona. Curtindo uma espécie de ressaca, ela sai com grupos de amigas, conhece uma diretora de cinema em ascensão e acontece uma troca de casais. 

É um filme leve e despretensioso ambientado em apartamentos, bares e cinemas de Barcelona. É também uma homenagem aos filmes de relacionamentos entre jovens, demarcada pelo fascínio de Zaida pelo cinema de Eric Rohmer. Ela frequenta as sessões de uma mostra de Rohmer que acontece na cidade. A trilha sonora, composta pela música eletropop é um dos destaques da película.  

O caso dos irmãos Naves

O caso dos Irmãos Naves (Brasil, 1967), de Luis Sérgio Person, é baseado em um caso verídico que aconteceu em 1937, durante o Estado Novo, ditadura implantada no Brasil por Getúlio Vargas. Em Araguari, interior de Minas Gerais, Benedito Pereira Caetano, um comerciante endividado, foge da cidade com 90 contos de réis. Joaquim Rosa (Raul Cortez) e Sebastião (Juca de Oliveira), os irmãos Naves, procuram a polícia para denunciar o desaparecimento do comerciante. Durante a precária investigação, eles são acusados de assassinar Benedito.  Esse caso é considerado um dos maiores erros judiciais da história do Brasil. Após a prisão, os irmãos são torturados a mando do delegado da cidade (Anselmo Duarte) para que confessem o crime que não cometeram. 

Dois anos antes, Luís Sérgio Person realizou São Paulo Sociedade Anônima, com uma narrativa e estilo mais próximos do Cinema Novo. Em O caso dos Irmãos Naves, o diretor adota um estilo clássico, pois queria fazer um filme denúncia que dialogasse com o grande público. 

“Person mexeu com a arquitetura de seu filme, criando sequências poderosas e incrivelmente bem montadas e fotografadas, como aquela em que o espectador descobre ao longo de um depoimentos forçado que os irmãos já vinham sendo torturados. À medida em que o delegado obriga que a testemunha concorde com a versão que criou para a história, takes rápidos e sem trilha sonora ou áudio ambiente em que os Naves são espancados pela polícia invadem a cena para mostrar para o público o que acontece nos bastidores. Sem fazer juízo de valor, apenas fornecendo a informação, Person traz o espectador para a condição de testemunha da injustiça, permitindo que ele mesmo desenvolva seu sentimentos para com o caso.” – Chico Fireman. 

Referência: 100 melhores filmes brasileiros. Paulo Henrique Silva (org.). Belo Horizonte: Letramento, 2016. 

O idiota

O idiota (Hakuchi, Japão, 1951), de Akira Kurosawa, faz uma releitura do clássico livro de Fiódor Dostoiévski. A trama é adaptada para o Japão pós Segunda Guerra Mundial. Kameda (Masayuki Mori) lutou na guerra e sofre de epilepsia. Sua personalidade é marcada por uma ingenuidade extrema, ele é capaz de atos de bondade e não espera nada em troca de ninguém. Para a sociedade, é quase um idiota. Kameda desperta o interesse de duas mulheres: Taeko Nasu (Setsuko Hara) e Ayako (Yoshiko Kuga).

 Kurosawa ousou ao ambientar a trama em um período carregado de cinismo, corrupção moral, caos social e profundas diferenças de classes. Nesse contexto, Kameda representa a bondade em uma sociedade composta por pessoas más. A linguagem cinematográfica de O idiota é demarca por planos lento e uma fotografia que expressa a melancolia, tristeza e desilusão da sociedade japonesa após a tragédia da guerra.

O sol brilha na imensidão

O sol brilha na imensidão (The sun shines bright, EUA, 1953), de John Ford.

O Juiz Priest (Charles Winninger) apareceu pela primeira vez no filme Judge Priest (1934), do próprio John Ford. O sol brilha na imensidão é uma espécie de continuação, fato raro no cinema clássico americano do período. 

William Priest segue demonstrando sua dignidade, senso de justiça e humanismo. Ele é juiz de uma pequena cidade do Kentucky, sul dos Estados Unidos, região demarcada pelo racismo que atinge níveis de violência extrema. O Juiz Priest agora tem em mãos dois casos que evidenciam o preconceito da sociedade sulista. Uma prostituta retorna à cidade e é rejeitada por todos; após a sua morte, ela não pode nem mesmo ter um enterro digno. Um jovem negro é acusado injustamente de um crime e está prestes a ser linchado pela população. 

Priest está disputando a reeleição para o cargo e sua corajosa atitude na defesa dos dois casos faz com que ele se indisponha com os eleitores. John Ford carrega sua narrativa com o idealismo e humanismo do Juiz, simbolizado em uma sequência emocionante: mesmo arriscando perder a eleição, Priest organiza e segue à frente do enterro da prostituta, encarando com altivez a sociedade. 

Um crime por dia

Um crime por dia (Gideon’s day, EUA, 1958), é um raro filme policial de John Ford. A trama, adaptada do romance homônimo de John Creasey, acompanha um dia na vida do policial George Gideon (Jack Hawkin. O inspetor tenta desvendar com agilidade casos que incluem o roubo de uma joalheria, um assassinato e até mesmo corrupção interne em seu departamento de polícia. Enquanto isso lida com questões familiares.

Inteiramente filmado em Londres, Um crime por dia é uma trama policial leve, sem grandes reviravoltas. Ford explora o lado humano do policial, sem enveredar por aspectos dramáticos, ao contrário, tratando tudo com bom humor, principalmente na relação amorosa na qual a sua filha se envolve durante esse atribulado dia. São 24 horas na vida do inspetor que, claro, podemos também classificar de uma pessoa comum, trabalhadora e apegada à família. 

Peregrinação

Peregrinação (Pilgrimage, EUA, 1933), de John Ford. Com Henrietta Crosman (Henrietta Crosman), Marion Nixon (Mary Saunders), Heather Angel (Suzanne), Norman Foster (Jim Jessop). 

A viúva Hannah Jessop é uma mãe opressora e autoritária com Jim seu único filho. Ela não aceita o namoro do filho com Mary, uma jovem de classe social mais baixa e, para impedir o casamento, alista Jim para lutar na Primeira Guerra Mundial. 

Esse filme menos conhecido do aclamado diretor John Ford é um relato sensível sobre a perda, luto e sentimento de culpa. Quando recebe a notícia da morte de seu filho nos campos de batalha, Hannah Jessop empreende uma jornada de redenção. A peregrinação do título acontece quando ela aceita participar de um programa do governo americano que leva as mães para a Europa para visitar os túmulos dos filhos mortos durante o conflito. 

O destaque do filme é a atuação de Henrietta Crosman. A atriz contribui de forma decisiva neste melodrama, um gênero que John Ford investiu pouco em sua longa carreira.