Negócios à parte

Negócios à parte (Rien ne va plus, França, 1997), de Claude Chabrol.

Claude Chabrol se destacou entre os famosos cineastas da nouvelle vague, e também críticos da Cahiers Du Cinema, pela sua incursão aos filmes de gênero. Negócios à parte é seu filme de número 50, uma carreira longa e produtiva, com a marca do diretor: homenagens a outros realizadores, gêneros que se implicam, abordagens críticas da burguesia francesa, personagens ambíguos. 

A trama acompanha as peripécias do casal de vigaristas Victor (Michel Serrault) e Betty (Isabelle Huppert) – não fica claro durante a narrativa se são amantes, apenas amigos de bandidagem ou pai e filha. Os dois vivem de aplicar pequenos golpes em hóspedes de hotéis de luxo, sempre se precavendo para não provocar qualquer tipo de violência. O turning point acontece quando Betty se envolve com Maurice (François Cluzet), tesoureiro de uma empresa multinacional, que planeja fugir com cinco milhões de francos suíços que estão sob seus cuidados. 

A partir daí, a trama é uma sucessão de estratagemas bem ao estilo policial farsesco: troca de maletas em um trem; Betty tentando enganar a todos para ficar com o dinheiro; Victor idem; entrada em cena de uma dupla de atrapalhados assassinos profissionais; reunião em uma casa luxuosa onde tudo pode acontecer, incluindo assassinatos escabrosos. 

Não é o melhor filme de Claude Chabrol, mas é sempre o Chabrol irônico, divertido, contando com grandes estrelas no elenco: Isabelle Huppert, praticamente dona da narrativa.

Morango e chocolate

Morango e chocolate (Fresa y chocolate, Cuba, 1993), de Tomás Gutiérrez Alea, conquistou o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim e é o único filme cubano indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A narrativa acompanha a relação que se cria entre David (Vladmir Cruz), estudante de ciências políticas, e Diego (Jorge Perugorría), artista homossexual. Enquanto David é militante comunista, defensor da revolução, Diego tem ressalvas sobre os princípios adotados pelo regime, principalmente em questões relacionadas à censura cultural e às perseguições que sofre por sua identidade sexual. 

O diretor Tomás Gutiérrez Alea, cuja obra mais aclamada mundialmente é Memórias do desenvolvimento (1968), continua com seu olhar crítico sobre as consequências da revolução comunista em Cuba, principalmente, em termos econômicos, sociais e culturais.

Os debates entre David e Diego representam os olhares distintos sobre o regime. Ambos defendem a justiça social, porém discordam sobre os métodos adotados. O preconceito social também é tema relevante da trama. 

A princípio, David renega Diego, “um maricón”, mas se deixa envolver cada vez mais pela sensibilidade, delicadeza e inteligência do jovem artista. O gesto final entre os dois é de enternecer até o mais empedernido dos espectadores. 

Elenco: Jorge Perugorria (Diego), Vladimir Cruz (David), Mirta Ibarra (Nancy), Francisco Gattorno (Miguel). Marilyn Solaya (Vivian). 

Cinzas do passado redux

Cinzas do passado redux (Dung che sai duk, Hong Kong, 2008), de Wong Kar Wai. 

O filme abre com a câmera percorrendo em travelling um deserto amarelo exuberante. Voz do narrador do filme: “É um ano de eclipse total, a seca assola a terra. Seca significa problemas. Problemas significam bons negócios. Eu sou da Montanha do Camelo Branco. Me chamo Feng. Sou especialista em resolver problemas.” 

Ou-yang Feng (Leslie Cheung) foi um famoso espadachim, esses artistas das artes marciais que se consagraram no cinema oriental desde Os sete samurais (1954), de Akira Kurosawa. Feng se exila na montanha após ser abandonado pelo seu grande amor. A especialidade em “resolver problemas” a que Feng se refere é intermediar a contratação de assassinos de aluguel. “Matar em si, não é um problema. Tenho um amigo que conhece certas artes marciais. Ele está um pouco sem sorte ultimamente. Por uma pequena taxa ele ficará feliz em livrá-lo dessa pessoa.” Diz Feng a um interlocutor.

O gênero chinês wuxia ganha contornos estéticos fascinantes nas mãos e olhar de Wong Kar Wai. O ritmo lento, demarcado pela extravagante profusão de cores, closes em momentos tensos, personagens que parecem voar em câmera lenta nas cenas de luta – o estilo Wong Kar Wai. 

Cinzas do passado foi lançado em 1994 e passou por um longo processo de restauração, O filme original tinha cópias em versões diferentes, todas já em processo de deterioração. O próprio diretor coordenou a restauração que resultou na “versão definitiva”,  aprimorada em seus elementos estéticos, com alterações na estrutura narrativa, incluindo novas músicas. A narrativa, centrada nos sentimentos de frustração e melancolia dos protagonistas,  é entremeada por cenas artísticas de combates entre os guerreiros espadachins, inaugurando um estilo que se consagraria com filmes como O tigre e o dragão (2000), de Ang Lee, e a trilogia de Zhang Yimou: Herói (2002), O clã das adagas voadoras (2004) e A maldição da flor dourada (2006). 

Diário para meu pai e minha mãe

Diário para meu pai e minha mãe (Napló apámnak, anyámnak, Hungria, 1990), de Márta Mészáros. 

A última parte da trilogia autobiográfica de Márta Mészáros centra a narrativa na fracassada Revolução Húngara de 1956, quando civis tentaram derrubar o governo apoiado por Stálin. Julie está em Moscou e tenta a tudo custo voltar para Budapeste, Magda está foragida e Janos participa ativamente das atividades revolucionárias. Quando consegue voltar para seu país, Julie, já uma diretora de cinema, documenta as conturbadas ruas de Budapeste e inicia um romance com outro diretor de cinema. 

O estilo da película contínua na mescla de ficção e documentário, com amplo espaço para a repressão oficial do governo. Outro ponto forte é a luta pela liberdade artística, o cinema verdade dos documentários de Julie e seu namorado se contrapondo às manipulações da mídia governista. O final do filme, após a prisão e julgamento de Janos, é de uma verdade dolorosa, revelando a crueldade dos porões das ditaduras. Ficção também é documentário. 

Elenco: Com Zsuzsa Czinkóczi (Juli), Jan Nowicki (Janos), Mari Torocsik (Vera), Ildiko Bánsági (Ildi), Anna Polony (Magda). 

Túmulo dos vagalumes

Túmulo dos vagalumes (Japão, 1988), de Isao Takahata, é um dos animes mais tristes do Studio Ghibli. O filme é adaptado do conto semi-autobiográfico de Akiyuki Nosaka, que perdeu sua irmã durante a Segunda Guerra Mundial. O diretor Takahata, co-fundador do estúdio, também sofreu com os horrores da guerra, sobrevivendo a um bombardeio durante a infância. 

Os irmãos Seita e Setsuko tentam sobreviver aos últimos meses da guerra, quando o Japão sofre bombardeios constantes. A mãe morre em um desses ataques, o pai está lutando na guerra e os irmãos se refugiam nos arredores da cidade de Kobe. Lutam contra o abandono, a falta de moradia, a fome e a ameaça constante da morte. A poesia visual marca a narrativa, com cenas noturnas iluminadas pelos vagalumes, quando fantasmas observam a tragédia que acompanha o cotidiano de Seita e Setsuko em sua jornada pela sobrevivência.

A temática que salta aos olhos é a negligência do governo e da própria sociedade, deixando as crianças abandonadas nas ruas, a ponto de roubar alimentos (e serem punidas). Túmulo dos vagalumes é de estraçalhar o coração. 

The protagonists

The protagonists (Itália, 1999), de Luca Guadagnino.

Em 1994, dois adolescentes chegam a Londres dispostos a cometer um assassinato. Eles andam pela cidade procurando um travesti, mas mudam de ideia e invadem o carro de Mohammed El-Sayed e o matam a facadas. O crime é rapidamente desvendado pela polícia e atinge repercussão na mídia, pois os jovens, de classe média alta, demonstram frieza pelo ato cometido sem nenhum motivo, a não ser experimentar o “prazer de matar”. 

O primeiro filme de Luca Guadagnino mistura documentário e ficção na investigação e reconstituição do crime. Tilda Swinton, no papel de uma atriz/jornalista, lidera uma equipe de filmagem italiana que percorre os cenários da tragédia, o tribunal onde ocorreu o julgamento, entrevista especialistas, a esposa da vítima e pessoas próximas ao crime.  

O diretor italiano compôs um suposto documentário encenando as cenas e não definindo se os entrevistados são atores ou as pessoas reais que vivenciaram o assassinato. Mesmo percorrendo diversos festivais, The protagonists passou despercebido pelo público e crítica (sequer foi exibido nos cinemas), mas depois da consagração de Luca Gudagnino passou a ser revisto como um filme experimental, já com as marcas do diretor.

Seguinte

Christopher Nolan sempre deixou evidente sua paixão pelo cinema noir, inclusive participando de documentários onde analisa os principais elementos estéticos e narrativos do gênero. Em Seguinte (Following, Inglaterra, 1998), o diretor se apropria dessas referências para compor uma narrativa instigante, de complexas camadas psicológicas. 

Jeremy Theobald interpreta um jovem escritor que segue aleatoriamente pessoas pelas ruas da cidade, em busca de inspiração para um livro. Durante suas andanças, um ladrão o seduz e o escritor passa a segui-lo em seus crimes, geralmente invadindo domicílios e roubando pertences. 

A trama se complica quando os dois invadem a casa de uma mulher loira (Lucy Russel) – a femme fatale do cinema noir. O escritor fica fascinado e começa um estranho relacionamento oscilando entre o voyeurismo e a sedução.

Seguinte foi realizado durante um ano, gravado nos finais de semana, pois Christopher Nolan trabalhava em tempo integral em Londres. O custo do filme foi de apenas seis mil dólares e despertou o interesse pelo trabalho do jovem diretor que, na sequência, realizou o aclamado Amnésia (2000). Dois filmes independentes que evidenciaram o talento de Christopher Nolan que se consagraria definitivamente com a trilogia do homem morcego. 

Estranhos prazeres

Estranhos prazeres (EUA, 1995), de Kathryn Bigelow, é ambientado em uma Los Angeles distópica, com cenários sujos, cuja fotografia neo-noir privilegia a vida noturna de marginalizados em clubes, apartamentos, ruelas e becos da cidade – claramente inspirado em Blade Runner – O caçador de androides (1982). 

O roteiro tem co-autoria de James Cameron, na época casado com a diretora.  O ex-policial Lenny Nero (Ralph Fiennes) vende pequenos discos contendo experiências vividas por pessoas, incluindo práticas sexuais. O dispositivo permite ao usuário vivenciar as experiências dentro de sua própria mente, como projeções de realidade virtual. A virada acontece quando Lenny recebe um disco com a gravação de uma amiga sua, uma prostituta que registrou seu próprio assassinato. 

O destaque da película é a estética cyberpunk que marcou importantes obras a partir dos anos 80, entre elas Blade Runner, Akira, Ghost in the Shell, Matrix e O Vingador do futuro. Kathryn Bigelow trabalha em seu ambiente de thriller psicológico, com sequências empolgantes e assustadoras, sustentadas por um elenco que se consagraria: Ralph Fiennes, Angela Basset e Juliette Lewis, principalmente. 

A cura

A cura (Cure, Japão, 1997), de Kiyoshi Kurosawa.

O detetive Takane (Koji Yakusho) investiga uma série de assassinatos cometidos por pessoas aparentemente sem motivação, pessoas de passado íntegro que, de repente, cortam a garganta de pessoas próximas com um X e não conseguem explicar o porquê do ato cometido. São crimes isolados até que se descobre que um jovem esteve em contato com o(a) criminoso(a) momentos antes do crime. 

A virada do roteiro aponta para um intrigante caso de hipnose e possessão, colocando o detetive e o suspeito em um conflito de consequências imprevisíveis, pois estamos falando de mentes que se conectam. A cura revelou o nome do roteirista e diretor Kiyoshi Kurosawa (sem parentesco com o famoso Akira Kurosawa) como um dos grandes nomes do terror japonês contemporâneo. O final aberto do filme sugere esses meandros inexplicáveis da mente humana. 

Jogando as fichas fora

Jogando as fichas fora (Blue chips, EUA, 1994), de William Friedkin. 

Peter Belli (Nick Nolte) é treinador de um time de basquete universitário. Após uma série de derrotas, sua carreira entra em declínio e ele revê alguns de seus princípios de ética e honestidade para conseguir um elenco mais talentoso. 

Jogando as fichas fora trata de forma ousada das artimanhas efetuadas por grupos para burlar as regras do esporte e lucrar no mercado de apostas (tema sempre atual). O elenco é composto por figuras reais do basquete, incluindo Shaquille O’Neal, o célebre treinador Bobby Knight e comentaristas esportivos. As cenas dos jogos são emocionantes, um admirável trabalho da equipe de cinegrafistas e da direção de fotografia. 

Uma curiosidade: a sequência final termina em uma “enterrada” fantástica de Shaquille O’Neal. O cinematógrafo Tom Priestley Jr. conta que Bobby Knight fez de tudo para que seus jogadores impedissem essa jogada, pois não aceitava perder um jogo nem mesmo em uma trama cinematográfica.