Vende-se em 30 segundos

É a pior fase da carreira profissional. Você bate na porta de uma agência de propaganda sedento para trabalhar com criação publicitária e ouve a clássica pergunta: “Você trouxe seu portfólio?”. Claro que não, acabei de me formar, deveria responder prontamente o iniciante.

Ouvi esta pergunta assim que saí da faculdade, em 1986. A agência contratava redator especialista em roteiro para filme publicitário, como se redator pudesse se dar ao luxo de ser especialista em uma mídia ou outra, ainda mais em Belo Horizonte. Mas eram outros tempos e, imagino, a agência deveria criar e produzir vários comerciais que justificassem tal requinte. É claro que meu portfólio não atendia às exigências, nesta época eu ainda estava na fase de roteiros amadores, fase geralmente intuitiva de cinéfilo em busca de formação.

Havia uma carência de bibliografia sobre o assunto. A referência de formação para redatores é sempre bons livros de roteiros de cinema. No Brasil daqueles anos, me lembro de um único livro que prontamente comprei e deixei na cabeceira: Arte e técnica de escrever para cinema e Televisão, de Doc Comparato.

Com o tempo, as editoras passaram a lançar livros mais específicos de criação publicitária, a exemplo de Vende-se em 30 segundos. Manual do roteiro para filme publicitário, de Tiago Barreto.

O autor descreve o processo de criação do filme publicitário, incluindo a análise do briefing, contextualização de ideias, criação de personagens, estrutura do roteiro, aspectos climáticos e rítmicos, cenografia, efeitos de edição, sonorização e avaliação do resultado final.

É difícil falar sobre técnicas em qualquer processo de criação, até mesmo na formatação, pois o roteiro varia muito em função da ideia, da necessidade de ser mais ou menos específico, de decupar uma cena recorrendo à linguagem cinematográfica para provocar no leitor o efeito dramático. O livro trabalha com exemplos cotidianos das agências de propaganda, roteiros mais simples, descrevendo ideias, sugerindo mais do que especificando.

A influência vem do cinema, roteiros não decupam mais as cenas, não trazem mais terminologias da linguagem cinematográfica. Apresentam ideias, personagens, soluções visuais. A influência do cinema também está presente em questões fundamentais tratadas pelo autor, como o ponto de virada.

“Ponto de virada é qualquer incidente, episódio ou evento inesperado que leva a ação dramática para outra direção ou apresenta uma situação que o espectador não esperava. Nem todos os filmes publicitários têm um ponto de virada. Quando existe, no entanto, ele é o clímax da narrativa. É o momento de emoção acentuada, seja surpresa, humor, drama, medo… Qualquer emoção.”

Vende-se em 30 segundos funciona bem com dicas, sugestões, exemplos, associações entre as diversas influências, música, por exemplo, que interferem no processo de criação e redação de um roteiro. Um livro básico para iniciar nesta complexa tarefa e que todo redator deve completar com a leitura de autores como Doc Comparato, Syd Field, Flávio de Campos, Marcel Martin, John Howard. E partir para o verdadeiro aprendizado das narrativas audiovisuais: assistir a um filme atrás do outro.

Os musicais, a crítica e o público jovem

Amigo me diz que não suporta ver pessoas cantando e dançando em cena quando deveriam conversar ou namorar. Especialistas apontam que esse é um dos motivos da decadência do musical: as características do gênero, cantar e dançar, não agradam o público de cinema moderno, principalmente plateias jovens.

Meu pai amava musicais. Fred Astaire era dos seus ídolos no cinema. Na infância, lembro-me de vê-lo em festas de família tentando imitar passos do mestre. Adolescente, tentei também reproduzir (vergonhosamente) números de John Travolta em Os embalos de sábado à noite (1977).

O escritor Ruy Castro, em Cantando e dançando à saída do cinema – artigo publicado no livro Um filme é para sempre. 60 artigos sobre cinemacomenta o gênero que foi o preferido do público na era de ouro de Hollywood.

“O mesmo se aplicava às canções que, de ‘repente’, os atores começavam a cantar. Só que não era de repente. Os musicais, e não apenas os da MGM, obedeciam a toda uma engenharia em que o roteiro era escrito em função das canções e das sequências de dança. O diálogo anterior a cada número era uma preparação para que a letra da canção se encaixasse com lógica e, como se dizia em Hollywood, fizesse a ação ‘avançar’ (donde qualquer canção ou dança que ‘atrasasse’ essa ação era impiedosamente cortada). Havia uma sabedoria no roteiro ao intercalar canções e danças românticas ou mais swingadas, com o astro em solo ou com a parceira ou em grupo. Nada era deixado ao acaso.”

O autor escreve sobre o tempo em que grandes estúdios de cinema investiam fortunas em musicais. Sobre artistas que fizeram história no gênero. Vincente Minnelli, Stanley Donen, George Sidney, Esther Williams, Robert Wise, Gene Kelly, Fred Astaire, Gingers Rogers, Cyd Charisse, Judy Garland, Frank Sinatra, Elvis Presley, Bing Crosby. Diretores, atores, músicos que os jovens ainda não devem ter assistido com o deslumbramento inevitável. Ruy Castro espinafra a atual crítica cinematográfica.

“E por que, num musical, todo mundo dança ou canta ‘tão bem’? De novo envergonhado por ser obrigado a declarar o óbvio, repito: porque se trata de um filme musical. Nos filmes de ação, todo mundo em cena é mestre em tiro, caratê ou explosivos. Nos antigos westerns, todo mundo sabia andar a cavalo. Nos filmes de Spike Lee, todo mundo sabe dizer fuck e motherfucker. Cada gênero com a sua especialidade, qual é o problema? E, se esse ou aquele crítico não gosta de musicais e prefere os filmes de perseguições em velocidade, por que não se especializa neles, já que a crítica, com exceções, se tornou uma questão de gosto?”

O ataque de Ruy Castro chega ao público jovem.

“Aos ouvidos de muitos espectadores jovens, realmente parece estranho que um homem ou uma mulher se exprima cantando. Pelo tipo de discos que eles devem escutar, é compreensível. Pode-se imaginar alguém dizendo alguma coisa ao som de funk, rap, dance, house, techno ou qualquer outra pancadaria em voga?”

Acredito que um jovem com mínimo de sensibilidade vai ter a sensação de poder sair cantando e dançando em noite de chuva depois de assistir à famosa sequência de Gene Kelly em Cantando na Chuva (1952)Se o jovem estiver apaixonando, vai sair cantando e dançando de verdade pela rua, depois de beijar a namorada na porta de casa.

Referência: Um filme é para sempre. 60 artigos sobre cinema. Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.