O filme abre com uma sequência cruel: no altar de uma igreja, um padre está prestes a executar um bebê recém-nascido. Ele é impedido por policiais que entram na igreja e matam o padre. Corta para trinta anos depois.
Marek, um policial disfarçado de padre, chega a um monastério, famoso por seus casos de exorcismo. Marek precisa investigar o desaparecimento de jovens mulheres da região que, possivelmente, são as vítimas dos casos de exorcismo.
A sequência inicial aponta a possível ligação entre Marek e uma seita maligna, formada pelos padres do monastério. A narrativa é recheada de cenas brutais, até mesmo repulsivas (atenção para o alimento impingido ao falso padre). A virada de roteiro perto do final do filme provoca o tradicional banho de sangue dos filmes de terror contemporâneos.
O monastério (Hellhole, Polônia, 2022), de Bartosz M. Kowalski. Com Piotr Zurawski (Marek), Olaf Lubaszenko (Padre Andrzej), Sebastian Stankiewicz (Padre Monk).
O cubano Guillermo Cabrera Infante, além de escritor e roteirista, foi importante crítico de cinema. Sua infância, nas palavras do próprio autor, foi marcado por uma escolha. “Na minha cidadezinha, quando éramos crianças, minha mãe perguntava a mim e a meu irmão se preferíamos ir ao cinema ou comer, com a frase festiva: Cinema ou sardinha? Nunca escolhemos a sardinha”.
O livro Cinema ou sardinha. 1. Pompas fúnebres reúne artigos de Cabrera Infante. A influência do cinema americano é evidente em grande parte dos textos, escritos com o estilo do escritor e a língua afiada do crítico.
O livro se divide entre artigos específicos, incluindo na primeira parte textos sobre Georges Méliès, música no cinema (o autor desfila seu impecável conhecimento sobre compositores e trilhas sonoras), o cinema sonoro, o filme B, além de homenagens aos atores e atrizes latino-americanos. A segunda parte traz pequenas biografias de astros de Hollywood, “Biografias íntimas”, nas quais o crítico apura sua ironia a respeito do trabalho e da vida pessoal das celebridades.
“O canário coxo” apresenta uma Judy Garland dominada pelos produtores e diretores, entregue ao vício e ao estrelato, que não se furtava a fazer sexo com pessoas influentes em Hollywood para conseguir seus objetivos.
“Marlene contra o tango” é o relato sem pudor de Marlene Dietrich. “Era meio máscara meio franqueza excessiva. Embora praticamente inventada por um diretor Joseph Von Sternberg, que por sua vez tinha inventado a si mesmo: até seu nome era artificial.”
John Ford , um dos melhores diretores de todos os tempos, também sofre com a pena do escritor Cubano. “…John Ford, cuja técnica favorita como diretor consistia em insultar o elenco e a equipe técnica. Ford filmava com ajuda de um pelotão de fuzilamento, e seu paredão era o deserto. Num dia mau de No tempo das diligências, Ford já tinha humilhado quase todo o mundo.”
O destaque do livro são mesmo as histórias de Hollywood. Cabrera Infante conheceu este mundo que criou e destruiu mitos da noite para o dia. “De repente Lupe, que estava longe de agonizar, sentiu uma incontrolável ânsia de vômito. Era o efeito não só da tequila com seconal, mas também de sua extraordinária energia. Correu para o banheiro – e esta salvação foi sua perdição. Com os mariachis tocando, ninguém ouviu os gritos de socorro da atriz, que acabou se afogando no vaso. Nem sua morte foi levada a sério. Maria Guadalupe Villalobos Vélez só tinha 36 anos ao morrer. A mesma idade de outra atriz que também queria ser séria e, para provar que não brincava, tomou uma overdose de outro sonífero da moda. Esta se chamava, ou dizia se chamar, Marilyn Monroe.”
Referência: Cinema ou sardinha. 1. Pompas fúnebres. Guillermo Cabrera Infante. Rio de Janeiro: Gryphus, 2013.
No início da década de 70, o crítico de cinema Paulo Perdigão encontrou-se com George Stevens, diretor de OsBrutos Também Amam(Shane, EUA, 1953), em Los Angeles, para uma série de entrevistas. Paulo Perdigão apresentou ao diretor algumas de suas considerações sobre este filme e ouviu de George Stevens: “A liberdade de interpretação é a única arma de que a platéia dispõe quando o filme é projetado. Devemos deixar conjecturas desse tipo como privilégio do espectador. Ele que estabeleça, pela sua observação, um sentido para o que vê”.
No entanto, Paulo Perdigão decidiu por um ato ousado: completamente fascinado com Os brutos também amam, o crítico usou de recursos tecnológicos para ultrapassar os limites impostos ao espectador pelo cinema.
“Admirador de Os Brutos Também Amam – escreveu o livro Western Clássico (L & PM Editores, 1985) só para falar sobre o filme de George Stevens -, ele se valeu do vídeo para mudar o final daquela obra-prima. Fez isso para satisfazer um desejo íntimo, restrito ao seu ambiente doméstico, já que o novo Shane não pode ser exibido em público, por causa dos direitos autorais.” – Luiz Carlos Merten.
Creio que todo cinéfilo gostaria de interferir em pelo menos um filme, mudando cenas ou finais. Com a tecnologia cada vez mais avançada, a indústria, principalmente americana, se vale de recursos para oferecer possibilidades que vão além da limitada experiência de se sentar na sala escura. O cinema-indústria, desenvolvido e estruturado para conquistar e agradar os espectadores, experimentou diversas formas de provocar a imersão do público no cinema, levando-o quase à experiência de se sentir envolto pelo filme.